COISAS PRA SE FAZER NA PROVÍNCIA QUANDO NÃO SE ESTÁ MORTO

APÓS UM ANO EXAUSTIVO feito de experiências novas e escolhas inevitáveis resolvi prestar mais atenção à minha volta e tentar entender porque algumas coisas são o que são – de maneira definitiva – e outras nunca são o que aparentam.

Tomando como exemplo figurativo as pílulas – azul e vermelha – com as quais Neo é confrontado no filme Matrix, a vida também nos oferece escolhas. A maior parte das pessoas talvez nem se dê conta disso e ajam de maneira intuitiva. Para uma minoria, no entanto, uma escolha é uma questão lógica, uma ciência pela qual é possível delinear rumos, traçar objetivos. E toda escolha tem seu preço.

Sou artista por escolha. E sempre soube o preço que estaria disposto a pagar.

Moro numa cidade de interior por escolha. Poderia morar em qualquer lugar do planeta - e o ser humano é o único que tem essa capacidade de adaptação. E, mais uma vez, pago um preço por isso.

Trabalho a cinco anos numa ONG também por escolha e, principalmente, por entender que minha arte – ou o quer que eu entenda por arte – não deve (nunca) ter caráter assistencialista e nem depender de ação governamental. A arte, por si só, já tem uma finalidade social.

Isso ficou claro quando visitei a última Bienal de São Paulo. Ao entrar no pavilhão e ver todas aquelas obras espalhadas, me perguntei: pra que serve isso? A quem isso interessa? Ao final de três exaustivas horas, me convenci de que a arte modifica as pessoas, de uma maneira ou outra. Conduz à reflexão. Isso é uma ação social e não é assistencialista.

Saindo da Bienal encontrei um dos vendedores da Revista Ocas e conversamos um pouco sobre várias coisas. Ele, um morador de rua em processo de ressocialização, cheio de vigor e planos para o futuro. Comprei o último número da revista, que traz como principal matéria, uma entrevista com Marcelo Yuca (ex baterista d’O Rappa). Marcelo diz – entre outras coisas – acreditar no “poder do cidadão” para mudar a realidade. Eu também acredito. E por isso faço escolhas e sofro e sou feliz, mas não abro mão do meu poder de decisão entre uma coisa e outra.

A gente vive querendo mudar o mundo. Essa é a grande verdade.

Jorge Braz, diretor artístico do Teatro de Tábuas escreve em um de seus artigos para a Revista Contra Regra (Grande descoberta etílica): “... tudo que passo e que passamos na vida está ligado ao que desejamos desta própria vida e, se a estrada é dura, é porque escolhendo crescer a gente opta por caminhos tortuosos, íngremes e longos. Afinal, ter um celular e carro de última geração, convenhamos todos, é um desejo nada ambicioso, não é?”

E continua: “... para mudar o mundo tem que se começar a mudança por si próprio, depois mudar um e fazer um par, aí vem outro e outro. Para isso acontecer tem que se convencer e ser convencido. Isso se chama desenvolvimento humano e é duro, chato e complicado. A gente lida com o que existe de pior no mundo.”

Escolhi que vou interferir nessa letargia que impregna a minha cidade. Que impregna a arte que é feita na minha cidade, que por sinal, não é o umbigo do mundo, mas é o local que escolhi para o meu desenvolvimento humano. Ainda não sei de que maneira posso fazer isso. Mas é preciso fazer alguma coisa.

Numa conversa com Rodrigo Roman, falamos de tudo, ou quase tudo. Falamos de vanguarda, de mesmices, falamos de pessoas que se movem continuamente e dos que são sedentários em suas pequenas ambições. Falamos de ações concretas e coisas incertas.

As dúvidas são sempre em quantidade maior, pode reparar. Mas são elas que contribuem para a qualidade do nosso crescimento e para as escolhas que fazemos.

Tenho certeza de uma coisa: mesmo que eu venha a ter um carro do ano e um celular de última geração, o que mais importa nessa história toda é esse processo rico e criativo que tenho a oportunidade de vivenciar.

E, por compreender isso, faço minhas as palavras de Jorge:“... posso curtir de forma mais adequada o momento brilhante da minha vida, o do meu desenvolvimento humano.”

ISSO QUER DIZER MUITA COISA.

Wallace Puosso, dezembro de 2005

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Wallace Puosso
Enviado por Wallace Puosso em 10/04/2006
Reeditado em 13/04/2009
Código do texto: T137001
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