A boa vida dos professores

Crônicas da Vida Real

Augusta Schimidt

A boa vida dos professores

Eu não sou preconceituosa... nunca fui... nem com raça, nem com a cor, nem com a riqueza e muito menos com a pobreza. Principalmente se o pobre for limpinho.

Mas eu não vou agüentar. Preciso falar, escrever, gritar o dia que hoje vivi.

As palavras estão agitadas, saltando aqui entre meus dedos.

Pobre dos pobres brasileiros!

O cenário, claro que era um Posto de Saúde. Mas não era um posto de atendimento comum não, daqueles que você chega às 5 da manhã e vai se amontoando pra ser atendido as 9 h.

Era um posto de atendimento para Perícia Médica de funcionários públicos do Estado. Perícia de aposentadoria, de licença médica e de admissão ao trabalho.

Até que pelos padrões de qualidade do Brasil estava dentro. Médico só 40 minutos atrasado, umas 20 professoras esperando, desoladas, desempregadas, com crianças a tira-colo por não ter onde deixar seus filhos, ( professor não tem dinheiro pra pagar escola particular e as creches do município estão lotadas), papelada na mão e o coração, só por Deus pois o calor ali era de doer a alma.

Ventilador? Não, não tinha, esqueceu que era um estabelecimento do Estado só pra fazer perícia nos professores?

Lugar pra sentar... não tinha, água pra beber... nem pensar, crianças correndo e gritando, irritadas por terem que ficar presas ali naquele cubículo que mais parecia uma caldeira prestes a explodir... umas 6.

Eu não disse? Tudo absolutamente normal para os nossos padrões.

Ah! Claro que não estou falando mal do meu Brasil. Sou adepta daquela famosa frase: “ Cada povo tem o governo que merece”!

Também não estou falando de Lula. Estou falando de governo do Estado de São Paulo. É esse mesmo que querem que seja o próximo presidente. Esse primor de homem honesto, culto, que só diz a verdade acima de tudo. Esse que tem faculdade e tem até o insípido apelido de picolé de chuchu.

Esse que foi à televisão e em rede nacional contou pra todo mundo que a nossa educação é de primeiro mundo. Que pagou um bônus de $10.000,00 aos professores. Que fez um acordo com a Nossa Caixa e com uma concessionária de carros da marca Wolks para que o professor que fosse financiar um carro só teria liberado o empréstimo se o carro fosse comprado na referida loja.

De minha parte tudo bem, não votei nele e nunca votarei. Mas que ainda estou procurando meu bônus de $ 10.000,00 estou.

Falo ainda desse mesmo ex patrão que nos paga o mísero salário de 675,00 por 5 horas de trabalho na periferia com salas de até 40 crianças analfabetas que chegam à quarta série sem saber escrever seu nome completo. Essa é a nossa educação de primeiro mundo.

Mas voltando ao posto...

Na verdade minha perícia estava marcada pra sexta-feira ao meio dia. Estive lá, claro, mas fui reprovada por conta de uma angina em 2004 e um pico elevado de pressão.

O médico que me atendeu me mandou tomar remédio, fazer repouso e voltar na segunda.

Foi o que fiz e hoje as 14 h estava lá firme e forte.

O especialista em assinaturas de laudos, ops... em perícias, sequer me olhou. Leu minha ficha e somente me perguntou se estava tomando algum medicamento.

O diálogo foi mais ou menos assim:

- A senhora teve angina né?

- Sim senhor, em 2004

- Ficou de licença?

- Sim, 20 dias

- A senhora está tomando o que?

- Propanolol 40

- Ah! Então nem vou medir a sua pressão pois tenho absoluta certeza de que tomou agora antes de vir pra cá.

Aí ele se dignou a me mostrar seus olhos que não eram azuis.

- A senhora faz uso dos óculos faz tempo?

- Sim, desde menina

- Tudo bem então, estou aprovando seu laudo.

Ufa!!!! Que alívio!!!!

Sem o laudo não posso trabalhar pra ganhar o polpudo salário de 675,00 e nem os 20 tickets de 4,00 cada um.

Pobre pobres do meu Brasil...

Campinas, 10/04/2006

Augusta Schimidt
Enviado por Augusta Schimidt em 11/04/2006
Código do texto: T137142
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