Da arte de achar dinheiro em árvores


Tendo a achar as polêmicas em geral algo enfadonho. Por vezes sonho com um mundo no qual os diálogos, as conversas, assemelham-se com as cenas das novelas das oito. Já repararam? Eu já. O faço por esporte. É divertido, tentem.
 
Nas novelas, raramente, mas muito raramente mesmo, atriz corta ator, ator interrompe atriz. Quanto mais inverossímil o texto decorado, quanto mais forçado o encontro entre protagonistas, menos os diálogos são partidos, fragmentados em polêmicas momentâneas e inerentes até ao mais dócil dos seres humanos (ainda não estão extintos de todo, com o perdão da redundância).
 
Nas ruas, repartições, favelas, câmaras públicas e sorveterias a realidade está cada vez mais distante do que é passado na tela da Globo. É todo mundo interrompendo, cortando raciocínio, impondo idéias que mal saem dos neurônios e já ganham os ares da cidade, tumultuando tudo. Tudo mesmo. Das mentes inquietas e difusas ao trânsito da Avenida Rio Branco.
 
Está cada vez mais difícil ser ouvido da forma adequada. Acho que também por isso tanta gente esteja escrevendo, escrevendo e escrevendo. E mesmo assim, meus amigos, engana-se quem acha que essa arte resiste ao modus operandi do humano moderno. Todas as pesquisas, artigos e publicações relativas aos textos da atualidade convergem para o mesmo ponto: o leitor está a cada dia mais impaciente. Mais da metade dos textos, seja ele um poema de Vinicius, seja uma receita de Peru à Califórnia, é ceifada antes da metade. Isso é triste. Coitado do Peru.
 
Sobre os textos, em particular, desconfio que seja em função da falta de polêmica que as linhas, lidas sem interlocutor presente, proporcionam. Os gênios da ‘grande rede’ até que deram um jeito de amenizar o ‘problema’. Criaram os comentários. Vem o fulano, que há minutos perdia alguns reais em mesas virtuais de pôquer, lê uma crônica qualquer e fuzila o autor: “Que merda de texto. O quê esse cretino quis dizer?”. Com um clique, consulta o horóscopo diário, reclama da notícia que estampa a página principal do jornal preferido e... Volta pro pôquer. Talvez ganhe alguma coisa, talvez se mate ou se masturbe, vai saber.
 
É justiça, entretanto, pontuar: a falta de paciência é tanta que nem criticar de verdade, os leitores fazem. Lêem três parágrafos – se tanto – e partem para outro texto. Buscam uma espécie de ‘fast food’ cultural. Vamos andando, vamos andando...
 
A beleza, a grandiloqüência, o fato a ser notado, surge daí: o ser humano é fantástico para se adequar a situações limite. Quando a leitura franca, desinteressada, impressionista, humana enfim, dá ares de esgotamento, surge, no vale encantado das boas idéias, a fórmula redentora, a panacéia editorial, a revolução literata: prateleiras e mais prateleiras de livros de auto-ajuda.
 
Pronto. Nhac! Somos a repetição da indelével história do peixe e da minhoca. Robalos vorazes abocanhando qualquer coisa que se apresente apetitosa nas ‘plácidas’ águas que habitamos.
 
Você prefere à escabeche ou na moqueca?
 
“Como manter seu homem fiel”, “Fique rico em dez lições”, “Transforme cada centavo gasto em dois centavos ganhos”, “Quem controla a sua vida?”. Têm ainda os incríveis, os formidáveis, “Manipule seu chefe” (!) e “Mantendo o sorriso durante a tragédia?” (!!!).
 
- Neruda? Cony? Nelson Rodrigues? Tchecov?
 - Acho que temos sim. Prateleira vermelha, atrás da seção dos esotéricos. 

 
Dia desses  -isso não é ficção!- li matéria que discorria sobre um escritor de auto-ajuda falido e à beira de um suicídio (entendo que o artigo está bem empregado), dizer com todas as letras que sua redenção estava nessa nova modalidade de escrita.
 
E digo, afirmo: o camarada escreve bem. Muito bem. Muitos o fazem bem. Tenho muito medo. A prática está disseminada. Já chegaram na Academia Brasileira de Letras. Até em outdoor já flagrei mensagens de escárnio, que é como, pessoal e tranquilamente, defino o ‘setor’ que se agiganta e tira parte do meu sono.
 
Como leitor, que fique claro.
 
Estatisticamente quem leu até aqui terminará o texto. Serei, então, cordial e responsável. Antes de inserir o ponto final, preciso associar a introdução ao conceito, ao escopo, de minhas impressões. Dizia eu que tendo a achar as polêmicas em geral algo enfadonho. Nesse diapasão é absolutamente coerente deixar que as coisas sigam dessa forma, que o rumo das ‘modernidades’ navegue em leito tranqüilo.
 
Gosto dos diálogos das novelas. Podem falar! Falem. Mais: leiam! Chorem, acreditem, mudem suas vidas, sigam os conselhos encadernados em capa dura e verificados arduamente por fiéis editores. A cada centavo gasto, dois entram no seu bolso. Quer investimento melhor? Falem, podem falar. Leiam, podem ler. Juro – de pés juntos – que não interrompo.
 
Faço melhor: cedo graciosamente a minha vez. Monólogos não são tão ruins assim. Só peço um único favor, coisa tola mesmo: como faço pra encontrar a seção dos esotéricos?
Gustaalbuquerque
Enviado por Gustaalbuquerque em 08/01/2009
Código do texto: T1374734
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