O Mal Necessário de Todas as Manhãs

Escrevo ainda com o gosto forte de café na boca e com farelos de pão espalhados pelo colo. Meus olhos digladiam para ficarem abertos e certamente pesam mais do que deveriam.

O relógio de parede marca seis e meia da manhã. Eis o momento propício para falarmos dele.

Enquanto a casa dorme, ele impera em sua condição de alarmador das obrigações e deveres cotidianos. Sem pedir devida licença para a escuridão do quarto ou para o conforto quente do cobertor e do travesseiro confidente, ele adrentra aos ouvidos e invade com intromissão perturbadora os sonhos mais eloqüentes.

TU-TU! BRÊÊM! TRIM-TRIM! Não importa o som! O despertador fez-se presente. Basta o seu alarde para que os pares de coxas, o dinheiro tão quisto, as bizarrices surreais, ou simplesmente a paz cinza que um sono profundo produz, escorram pelo ralo e partam sem despedida para o exílio onde moram as coisas fantásticas.

Este objeto tão pequeno e que tem como morada a cabeceira das camas é talvez o personagem mais ambíguo que habita o quarto. Se por um lado ele retira do homem a delícia da inconsciência noturna, por outro ele adestra o sono ao horário do patrão e serve como aliado para a não perda de tempo. Odiado e indispensável, temido e confiável, um mal necessário é o despertador.

Não quero me fazer de rogado e menos ainda criar inveja a você meu prezado leitor, entretanto me vale revelar o quão sou afortunado no que diz respeito ao que me desperta. Graças ao Deus “Cronos”, nunca precisei ser despertado por essa invenção cheia de engrenagens e produtora de barulhos estridentes. Sempre (salvo raras as vezes) tive o prazer de ser convidado para a claridão do dia pelos chacoalhões e afagos daqueles que amo. Meus pais. É bom ouvir a mesma voz que dá boa noite, dar bom dia e me apressar pra não perder as horas. É bom. Mas, o efeito sonolento, lhes garanto, é o mesmo.

Por isso nos curvemos ao despertador, a este vilão tão temido e cruel nas manhãs de segunda-feira e torcemos para que os efeitos de sua presença sejam aliviados o mais rápido possível, seja com um gole de café forte, com um beijo quente de hortelã, ou quem sabe ainda com uma crônica, escrita com os olhos semi-serrados às seis e meia da manhã.

Fábio Castaldelli
Enviado por Fábio Castaldelli em 11/01/2009
Código do texto: T1379495
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