Carta à primeira namorada

Encontrei amiga comum de quando éramos (muito) jovens e rimos lembrando de como era nosso namoro. Você, interna em colégio de freiras, eu, aluno no colégio marista, com um enorme muro nos separando. Alto muro de tijolos, mas muitíssimo menor do que as infindáveis muralhas de regras impostas às moças que lá estavam para estudar e se preparar para serem excelentes donas de casa em lares onde dificilmente faltaria dinheiro. Regras mais do que cerceadoras que não nos deixavam muitas escolhas, mas, com esperteza de um lado e um pouco de boa vontade de outro, achávamos brechas que nos permitiam “namorar”. Está entre aspas para que os jovens entendam, pois não havia absolutamente nada com os namoros atuais. O que chamávamos de namoro não passaria da mais ingênua amizade, hoje.

A rigor, nem você foi minha primeira namorada, nem eu seu primeiro namorado, mas havia algo que chamávamos de “namoro firme” (podem rir, gurizada), que não significava nada na forma de namorar, mas era um compromisso inquebrantável. Nem o mais inocente flerte com outra pessoa era permitido. Flerte, meninas que me leem, era o que vocês chamam de “ficar”, mas sem ficar e nem se encostar. Pois, você foi minha primeira “namorada firme” e lhe sou muito grato por tê-la conhecido e pelo pouco que compartilhamos há tanto tempo. Não, não é paradoxo, mas também lhe sou grato por termos “terminado”, por termos vivido um ciclo de descoberta, construção e, principalmente, carinhoso ocaso.

Vivemos as lições que precisavam ser vividas na primavera de nossos corações, talvez com demasiada intensidade de sentimentos nos naturais superlativos da adolescência, mas por isso foram lições. Imprescindíveis.

Pena, não tenho sequer ideia de onde você está. Quem sabe leia esta carta e se sinta reconhecida pelo bem que fez (e isso é tão bom!), quem sabe esteja tão longe que as palavras não a alcancem, quem sabe minha gratidão reviva em algum jovem que me leia, e ele lembre de agradecer à primeira namorada com muito mais rapidez do que o fiz. É questão de justiça com a sabedoria da vida.