A útlima vez que vi R.D.

foi numa festa totalmente improvisada na casa de um amigo, eu era um dos protagonistas da parada, dizendo: “e aí cara, voce tá à toa vamos chamar o pessoal, comprar umas bebidas, e tal” você sabe, e ele acatou, de verdade, embora fosse um apartamento e o apartamento não fosse lá essas coisas

bebíamos bebidas doces de adolescentes e fumávamos cigarros com menta como se fossem charutos de homens crescidos intelectuais importantes etc e assistimos só nós dois ao nascimento dos brilhos oblíquos da lua enquanto pessoas de bem voltavam pra casa, aqueles seres distantes de um mundo de cristal quebrado e tão diferente do nosso.

a lua imperava, sorrindo de lado como o gato da alice (diria um amigo muitos anos depois, mas ele não tinha nada a ver com a história). bebíamos loucamente, e o povo foi chegando, exalando novidade e um pouco de tensão bem jovem. ao que chegaram e disseram: “olá, e seus gatos e cachorros, como vão?” e toda essa coisa, até que ela chegou (e há anos não via aquela criatura mitológica na minha frente): a R., com um vestido leve, branco e florido, os cabelos frugalmente arrumados-desarrumados, no estilo “eu tou tranquila”, e ela sorriu ao me ver um sorriso de santidade. "oi ismael, não sabia que você tá fumando agora, você e esse arthur o que andam aprontando hein, que coisa, vocês estão diferentes". e ela estava muto iluminada e eu não podia me conter dentro das minhas calças esperando ela dançar funk.

a noite foi perpetuando seu manto azulado pela asa sul, e aquelas pessoas novas e o arthur e a R. todos procriando alegria e canções da última moda, algo do qual todo mundo deveria participar algum dia e provavelmente já participou.

não vou entrar em detalhes mas já estou entrando nos detalhes da R. com sua pele lisinha seus olhinhos verdes de camaleão, o ímpeto dos seus movimentos no ritmo apaixonante do bom rock moderno, sua cinturinha de pêssego e seus seios de hortelã, e tudo mais naquela mocinha do paraíso maometano, R. era uma donzela verde de força e sensibilidade marítima. eu não queria entrar em detalhes porque já fiz naqueles tempos um poema pra ela e ela quebrou meu coração, deu um murro nos dentes do meu coração de 15 anos falando: “ei você está me deixando sem graça” aquilo realmente acabou comigo por um tempo.

a noite jogou suas estrelas uivantes pela janela do apartamento, logo depois do arthur ter amassado limões para uma caiprinha em um amasador de alho, o gosto ficou repulsivo, mas bebemos só a cachaça mesmo, o que fez com que R. se elevasse como as moléculas de luz dançando seu funk, uma Virgem Maria de Velazquez e ela dançava com um cara bem bonito também, estilo safadão sem camisa suando gotículas de prazer estarrecido, e eu fumava no ensaio de anjo solitário que hoje sou, foi um momento cândido quando começaram a levar as garotas para os quartos, momento de lençóis cor de rosa e revolução, o álcool ia esfumaçando os céus no topo dos edifícios, conversa nem havia mais, e a R. levou um dois três caras um atrás do outro e eu achei bacana, o arthur no fim das contas estava curtindo um banho de gelo, 100% molhado e tal.

os meus cigarros acabaram virando nuvens desesperançadas e a bebida me colocou sérios grilhões, sucedeu então que saí cambaleando escada abaixo, deixando a porta aberta na sagacidade do fim da madrugada púrpura e tomei meu rumo.

sem despedidas nunca mais falei com R. mas não seria uma má idéia, afinal, você tem visto seus olhinhos plácidos se despedaçando por ai?

-*-

Ismael Victor, 15/1/9