MAYSA, MULHER PLURAL

Finalmente os brasileiros puderam, por meio da minissérie transmitida pela Rede Globo, conhecer um pouco da vida de Maysa. Um pouco sim, pois o que a televisão mostrou foi o mínimo da vida desta grande mulher. Conheço Maysa desde a minha infância, e suas músicas foram muito presentes na minha história, quando minha mãe as cantava, e quando o saudoso professor José Claret Mendonça ensinava seus alunos a cantar e tocar “Ouça” numa seqüência simples de dó maior.

Eu já havia lido duas biografias de Maysa: a de Lira Netto, chamada “Maysa- só numa multidão de amores” e a de Eduardo Logullo, chamada “Meu mundo caiu- a bossa e a fossa de Maysa”. Anteontem, enquanto esperava o vôo para Buenos Aires no aeroporto de Curitiba, comprei “Maysa” livro escrito por Jayme Monjardim, filho da cantora. Um livro maravilhoso, contendo anotações pessoais feitas no diário de Maysa, poemas inéditos, fotos maravilhosas e homenagens de grandes poetas como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Pablo Neruda e do escritor Jorge Amado.

Maysa possuiu a marca dos grandes: como Edith Piaf, John Lennon, Elvis Presley, Billie Holyday, Judy Garland, Dolores Duran, Elis Regina e outros, viveu pouco, porém intensamente. Foi suicida em várias atitudes: entregou-se ao álcool e aos amores loucos, aos medicamentos que ingeria para emagrecer, para sair da depressão, para dormir, para acordar...

Sua obra conhecida é pequena porém intensa, com composições que eram o retrato de sua alma e de seu momento... Mas deixou um grande número de poesias e depoimentos somente publicados neste último livro, o de autoria de seu filho. Era uma intérprete ímpar, intensa, tanto de canções suas como de outros autores. Ninguém cantou “Ne me quitte pas”, do belga Jacques Brel, como ela...

Edith Piaf cantava uma música chamada “Non, je ne regrette rien” de autoria de Charles Dumont e Michel Vaucaire que era considerada seu retrato, seu testamento. “Demais”, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira sintetizam Maysa: “Todos acham que eu falo demais, e que ando bebendo demais... que não largo o cigarro, e dirijo o meu carro correndo, chegando no mesmo lugar..”

Maysa foi tudo isso: grande mulher, grande cantora, grande intérprete, compositora, e também passeou pelas belas artes, tendo deixado vários quadros pintados, e no seu arquivo particular foram encontradas inúmeras poesias e crônicas.

Teve grandes conflitos com a maternidade. Tendo tido apenas um filho e mais tarde dois abortos espontâneos, foi, na medida do possível uma boa mãe, ainda que isso lhe tenha causado grandes dramas de consciência, retratados em algumas de suas poesias, como este trecho:

“Meu filho, você foi à praia,

E não sabe quanto triste eu fiquei...

Todo mundo é dono de você, menos eu...

Por minha causa, por eu ser eu,

Sem ter vontade nenhuma de ser...”

Mas antes de tudo, Maysa foi mulher. Uma mulher forte, voluntariosa, cuja fraqueza (oh destino dessas mulheres ímpares) foi amar demais. E na sua imparidade, Maysa foi plural, pois não ficou cristalizada nem na posição de dama da sociedade, nem no alto de seu patamar artístico. Maysa viveu pouco, bem ou mal, mas viveu, e pôde deixar para a posteridade uma obra rica em sentimento, alegria, amargura, sinceridade, maldade (sim ela sabia ser maldosa quando queria...), e principalmente muito amor pelos homens que passaram em sua vida, e também pela família, pois venerava seu pai, sua mãe, seu filhos e até mesmo seu ex-marido.

Quer maior pluralidade para uma mulher tão singular?

Hermes Falleiros

Buenos Aires, 17 de janeiro de 2009