Carta ao Presidente

Querido Presidente,

Sinto muitas saudades suas. Não a saudade do convívio, posto que não nos conhecemos, mas a outra, que insuspeitei duvidar: a do que queríamos ambos. E no bojo dessa saudade, Excelência, vêm lembranças que me enternecem ainda hoje. Lembro-me do rapaz que, com seus amigos, percorria os vagões dos trens a distribuir panfletos e a vender os bônus que ajudavam a manter as greves no ABC paulista. Do distante subúrbio de Marechal Hermes à Central do Brasil! Incansáveis como numa peregrinação à Meca, íamos recolhendo sorrisos cínicos, xingamentos, deboches, ameaças, mas também ternuras e palavras de incentivo que nos davam a mais absoluta certeza de que uma supernova ainda explodiria no céu. Recolhíamos roupas e alimentos para que nossos irmãos não se vissem obrigados ao frio e muito menos a aceitarem o pão que o patrão amassou.

Como vê, Presidente, são saudades que não têm preço. E esse sentimento me emociona pela nostalgia que desperta e empresta aos olhos uma sensação de excessiva umidade. É, Companheiro, a lágrima é quase um sofrimento por tudo o que se perdeu. Nessas horas, viajamos por épocas e relembramos querências que se partiram como cristais raros. Angustiamo-nos porque voltar se vem tornando numa impossibilidade histórica. E a angústia, Presidente, põe em xeque o sentido da vida e nos deixa, como Hamlet, irremediavelmente presos às teias de uma insondável dúvida.

Vendo-o, hoje, sou inundado pelas lembranças que não consigo afogar. Ao contrário, meu Comandante, sou eu mesmo o náufrago atônito num mar de espanto e medo.

Diga-me, Presidente, terei semeado vento? Temo, pois na possibilidade disso, a colheita se prenuncia trágica. Mas diga-me que não. Diga-me que tudo isso não passa de pequenas traquinagens perpetradas por duendes travessos. Alguns de última hora e que não foram sabatinados devidamente. Uma espécie de gnomos que se refugiaram num céu que não era o deles. Atura-lhes – não é, meu Capitão? – mas não será o tempo inteiro. Diga- me. Preciso ouvir alguma coisa, Presidente, porque quando fico mais sério, por conta dos jornais diários que me congestionam os olhos e me dão crises de taquicardia, o que eu vejo são sombras sinistras de bruxos pouco alvissareiros.

Estaria Vossa Excelência enfeitiçado? Em que estranha mandala aprisionaram-lhe os ecos de antigas promessas que tardam – mas oxalá, não venham a falhar – e nos aumenta o temor pelo pior. Mas não se zangue comigo, meu Presidente. Sou apenas um homem que ainda precisa Ter na esperança a arma legítima para combater o medo que ameaça assenhorar-se de mim.

Respeitosamente,

Aldo Guerra

Vila Isabel, RJ.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 14/04/2006
Código do texto: T139181