"Mãe é Quem Cria" =Crônica do cotidiano sobre amor materno=
Muitas vezes a gente ouve conversas alheias até mesmo sem querer tal a altura em que muitas pessoas falam na rua ou nos coletivos.
Um dia eu estava em um ônibus com destino à longínqua Penha (zona leste) –para mim, que morava no Rio Pequeno (zona oeste) , e no banco à frente do meu duas senhoras conversavam. Ou melhor, uma falava sem parar e a outra ouvia atentamente:
-Ele é um azougue, menina! É sim-ples-men-te terrível! Tem até vizinha dizendo que ele é o terror da rua. Não pára quieto um minuto. Nem um minutinho. Corre feito louco naquela bicicleta que eu caí na besteira de dar pra ele; voa naquele maldito carrinho barulhento rua abaixo; tá ameaçado de ser expulso da escola por mau comportamento; não quer desligar a televisão antes da madrugada; tá ficando respondão a atrevido depois que ficou maior que eu; só quer saber mesmo é de empinar pipa e agora está me deixando louca pedindo um computador com aquele negócio que eles usam muito...
- Internet?
- Isso. Quer por que quer um computador com essa tal tranet. Vê lá se eu posso arcar com uma coisa dessas? E tênis? Tênis ele agora cismou que tem que ser de marca!! Vê se pode uma coisa dessas? Eu troco minhas Havaianas quando tão mais fininhas que papel e ele quer de todo jeito tênis de marca. Diz que fica humilhado perto dos coleguinhas. Olha, minha amiga, ele tem atazanado minha vida e não é pouco não...
- Porque você não devolve ele pra mãe dele, Luzia?
- Não diga uma barbaridade dessas, sua doida!! Nunca mais me diga uma coisa tão pavorosa!! Como é que posso viver sem ele, menina??? Se eu ficar sem ele eu morro de tristeza!!! Pode ter certeza disso. Deus que me livre e guarde de uma coisa dessas!! Ele é minha vida!! A minha vida, ouviu? E sei de muito menino bem pior que ele. Inclusive filho de gente muito amiga minha, se é que me entende...
Essa última frase foi tão bem dirigida que a outra se levantou e sentou-se vários bancos à frente sem se despedir.
Segurei meu riso, que não seria de gozação ou escárnio, e sim de simpatia, enquanto a ofendida senhora desabafava comigo, virando o pescoço para trás:
- Tem gente besta nesse mundo; né, moço? Vê lá se eu vou devolver o meu filho? O filho que ganhei de papel passado. Tudo direitinho. Tudo nos conformes da lei. Vou lá devolver por causa de umas bobaginhas de criança!!? Cada uma que a gente ouve...
- Liga não, minha senhora. O importante é que a senhora gosta dele e ele da senhora.
- Ele é doido comigo, moço. Menino mais carinhoso não tem nesse mundo.
Os olhos dela estavam molhados de lágrimas contidas. A simples idéia de devolver “seu azougue” partira seu coração. Tive vontade de dar um beijo naquela face curtida pela vida, mas me contive. Menino sortudo aquele por ela adotado....