Temporário

Eu levanto pela manhã, me arrumo e saio. A cidade está deserta, o dia é cinza. Vou até uma padaria, qualquer uma que eu ainda não tenha ido, esperando tolamente que nessa eu encontre alguma coisa. Café preto. Daí começam os sons. Mas são todos desconexos, barulhos desencontrados, se chocando como um acidente de carros numa cacofonia contínua e muito ordeira. Ouço as vozes, dezenas, centenas de vozes, mas as palavras não fazem sentido. A cidade continua deserta. E eu fico me sentindo um pouco perdido, um pouco estrangeiro. Daí eu volto, mas eu nunca sei pra onde. Numas vezes eu morro no caminho, noutras, nem isso. Fico flutuando até cansar e começo a descer devagarzinho, depois começo a procurar alguém, qualquer pessoa. Eu vejo muitas, é claro, mas a cidade continua deserta até eu achar alguém. Daí vêm as cores, os cheiros e os sons ficam mais orgânicos. Quando me dou conta todos estão sorrindo ao ritmo dos meus passos. Nesse momento eu almoço, depois tomo um café preto, dessa vez fumando um cigarro pra acompanhar e o concreto começa a tossir. As pessoas ainda estão sorrindo, mas agora parecem tristes. Eu começo a correr e todo mundo parece perder a pressa, mas só as crianças notam e mesmo assim poucas delas se preocupam em procurar. Eu continuo correndo por horas, muito além da exaustão e, claro, não saio do lugar. Igual a um ponteiro de relógio. Os cachorros começam a latir e isso me irrita. Ou será que foi minha irritação que fez eles começarem a latir? Me atiro na calçada ou no asfalto e volto a flutuar. E a cidade fica deserta de novo, e todo mundo começa a chorar por isso. A essa altura as cores foram embora de novo e só ficou um azul escuro sólido e frio, e eu fico assistindo a cidade passar enquanto fumo outro cigarro. Daí eu durmo e depois volto pra casa.

Só mais um dia normal em Porto Alegre.