Filhos Deste Solo

Selecionada para integrar o livro de Crônicas Astra.

Olá, meu nome é Francisco, nasci em 22 de dezembro de 1988, mesmo dia em que morreu Chico Mendes, homem que meu pai muito admirava e, por isso, em meio à alegria de meu nascimento, confundida com a tristeza de sua morte, ganhei o seu nome.

Eu estava procurando e circulando alguns anúncios de jornais; resolvi parar por alguns instantes para escrever estas linhas e, deste modo, desabafar.

A casa em que resido desde a minha infância foi escolhida pelos meus pais, porque seu terreno era cercado por uma grande área verde, uma verdadeira floresta que eu dizia ser meu quintal. Agora tudo mudou. Lá fora, o vento não encontra barreiras depois que se ouviu o barulho infernal. A motoserra apareceu, atuando como em uma guerra, acabando com seu inimigo, indefeso, desarmado. Em pouco tempo, dezenas de homens, com ajuda de máquinas destruíram toda a área verde, matando filhos deste solo, filhos da mãe gentil.

Os animais, habitantes da mata, após serem despejados, tentaram fugir, tinham o pavor nos olhos. Eu vi cenas inusitadas, por exemplo, um cachorro-do-mato e uma cutia fugindo, mas, ao contrário de outras vezes, a cutia corria atrás de seu habitual perseguidor. Fugia o predador, fugia a presa, a morte os aguardando como último esconderijo.

O desmatamento foi ilegal, as autoridades foram avisadas, mas nada foi feito.

Nossa família foi duramente ameaçada. Apontaram uma arma para mim, na porta de minha própria casa. Lembrei do meu xará, assassinado dessa forma.

Proporcionalmente, minha questão é muito menor do que a de Chico Mendes, porém, cada pedaço destruído significa o aumento da ferida do planeta.

A madeira foi levada em caminhões e em canoas, descendo o rio. Pouco tempo depois, quando choveu, as encostas do rio desmoronaram, ele ficou irreconhecível e sem vida.

Jamais imaginei que um fato como esse pudesse acontecer aqui. Lembro-me de uma vez, há alguns anos, quando assistia, em companhia de meu pai, a uma reportagem sobre a destruição da Amazônia e comentei:

- Será que essas pessoas não pensam em seu futuro, no de seus filhos e de toda população?

Meu pai respondeu:

- Geralmente, essas pessoas só pensam em ganhar um dinheirinho. Sustentam suas famílias com muita dificuldade e, sem emprego digno, são facilmente seduzidas por esse tipo de trabalho, não percebem que matam a fome com veneno. A pessoa que tem formação intelectual pouco exercitada não consegue entender as conseqüências de seus atos. Por isso, meu filho, não basta um governo apenas fiscalizar o desmatamento, é preciso que dê oportunidades de vida a seu povo, e o ponto de partida para isso é a educação.

Tentei argumentar:

- Mas aqueles que ordenam e pagam para o serviço ser executado têm uma vida melhor e, mesmo assim, não se importam com o meio ambiente.

- Não podemos confundir melhor situação financeira com educação. Mesmo em outro patamar, eles também visam o dinheiro, o lucro é o que importa. A chance de sobrevivência do planeta é que cada um faça um pouco por ele. Desde sua infância eu tento lhe passar os fatores importantes para uma boa qualidade de vida; com isso, espero estar passando à frente o que aprendi.

Calei-me e pensei em suas palavras. Ele conseguiu passar sua sabedoria e eu já sabia, desde aquela época, que iria trilhar o mesmo caminho, procurando transmitir tudo aquilo para meus filhos e às pessoas de meu convívio. Uma pessoa conscientizada pode influenciar outras tantas e, assim, ajudar a diminuir a penosa lentidão que ocorre na mudança de comportamento da população.

Hoje, há o alívio do vento; em outros dias, o ar é quente sob um sol que castiga. Estamos vendendo a nossa casa. Procuro outra nos anúncios do jornal, no entanto, com as qualidades que tínhamos aqui, está difícil. Já plantei algumas mudas no solo devastado, levarei outras que salvei da destruição para minha próxima morada. Seguirei meu caminho, acreditando na conscientização, esperando que as pessoas plantem ao invés de destruírem e desejando que o Brasil semeie educação.

Assim, poderemos acreditar quando cantarmos, orgulhosos, que nossos bosques têm mais vida.