O TEMPO E O LENTO

Érico Veríssimo que me perdoe, pois apenas no título esta crônica foi buscar inspiração em sua célebre obra. Meu texto pretende, contudo, trabalhar esses dois vocábulos na estrita área de interesse do mundo jurídico e do âmbito judiciário. As leis, sua eficácia no tempo e o processo enquanto vetor projetando-se na lentidão da tramitação forense. Elementos que dão o que falar.

Quando já se torna rotina a longevidade de litígios, não causa surpresa alguma a existência de ações em tramitação por períodos de 10, 12 anos. Já começa a se repetir o mesmo grau de saturação naquilo que foi criado como “antídoto” à demora na distribuição de justiça, isto é, os Juizados Especiais, destinados às “pequenas” causas, muitas das quais nem tão pequenas assim, e que prometiam soluções céleres com desfecho em poucos meses.

Sabido, porém, que já existem processos nos juizados especiais rompendo a barreira dos três anos. Em suma o tempo desafia e o Judiciário continua lento.

Entretanto, o tempo de tramitação dos processos e o lento andamento engendram outras questões que estão a perturbar o ambiente, sobretudo após o episódio que cercou a concessão de habeas corpus a um poderoso e milionário banqueiro, colocando em pé de guerra o presidente do Supremo Tribunal Federal e significativas lideranças do Poder Judiciário do país.

E tudo deve ser examinado sob o prisma do tempo e do nada lento provimento judicial que socorreu aos interesses do banqueiro abastado. Nos círculos de advogados surgem comentários e insinuações de que situações semelhantes ocorrem diariamente, de norte a sul e de leste a oeste, mas que deixam de repercutir por não envolver “figurões” do cenário sócio-econômico brasileiro.

De fato, nada pode ser mais prejudicial do que a insofismável inexistência de mecanismos eficientes de gestão do tempo e de inibição do lento processamento dos feitos. Sabe-se que essa chaga não é comum para todos; constitui aí sim, uma faceta infinitamente mais cruel e intolerável do mesmo problema.

Ruim saber que o drama existe, mas pior ainda – muito pior mesmo – é admitir que para uns vigora e para outros não vigora; e que para muitos que integram a maioria absoluta – e que mais necessita - se impõe uma sofrível espera por justiça, ao passo que para alguns – poucos e abastados – se assegura justiça célere e eficiente. Justiça de terceiro mundo numa ponta e primeiro mundo na outra...

E não existem mecanismos de controle eficiente dos privilégios que se asseguram para alguns, em detrimento da espera angustiante imposta aos que integram a imensa maioria. A sociedade brasileira, aliás, até o presente momento não recebeu nenhuma justificativa, nada que pudesse estampar o porquê de justiça rápida, célere, quase supersônica para o banqueiro e espera lenta e angustiante para o cidadão comum.

Deixo em aberto capítulos para serem agregados nesta novela da vida real – “O Tempo e o Lento” , ruim sem dúvida, mas bem pior se o contexto não for igual para todos. Afinal, seria conveniente começar a discutir uma “auditoria” no respeito à “fila” dos processos; afinal , as chagas da Justiça brasileira devem ser democraticamente repartidas por toda a sociedade. Ou não ?