O vício do trabalho

Dito sem maior pretensão do que mostrar autoridade, e a eterna insatisfação de quem manda com seus comandados, não chegou a chamar a atenção de quem ouvia: “Queria (sic) que todos nossos funcionários fossem “workaholics” (viciados em trabalho)".

Não é apenas judaico-cristão o pecado (“Comerás o pão com o suor de teu rosto”) de endeusar o trabalho e de colocá-lo acima de qualquer outra coisa; Esopo, mais ou menos 550 anos antes de Cristo já contava a fábula da cigarra e da formiga, enaltecendo o trabalho da formiga e até a filhadaputice dela, ao se negar a ser solidária com a cigarra que encantou a natureza com suas melodias.

Vício é vício, e muitos têm a mesma origem. Estudos mostram que o do trabalho tem a mesma mecânica do vício do álcool e da cocaína: a compulsão é a mola-mestra e as consequências, similares. O usuário da coca é obsecado por ela e não consegue imaginar uma vida sem o vício; o mesmo acontece com o workaholic com relação ao trabalho. Competição, busca de poder, status, reconhecimento, realização profissional e - mais vezes do que se imagina, senhores circunspetos - fuga de problemas íntimos ou familiares, são alguns dos motivos que levam alguém ao vício do trabalho. Toda energia, conhecimento, todas potencialidades são canalizados (que tal dizer "desviados"?) para o trabalho, prejudicando ou destruindo as relações pessoais, principalmente dentro da família. O workaholic se torna um chato, sem assunto, egoísta, omisso, insensível e, num estágio mais avançado, brocha. Isso sem falar nos problemas de saúde, como estresse, úlcera, pressão alta e pode ligar aí uma infindável lista de doenças, até a morte, normalmente prematura.

Por trás de uma pessoa assim, muitas vezes, há uma tremenda insegurança e incapacidade emocional que são compensados com os "aplausos" que o trabalho traz. Como todo viciado, o limite entre o prazer (que só o trabalho dá) e a autodestruição fica tão tênue que tende a desaparecer.

Não o trabalho não mata, desde que "acompanhe o ritmo da terra", como escreveu Gibran. Períodos em que se descanse o mínimo possível, por conta da urgência de algum projeto, são perfeitamente aceitáveis e não trazem qualquer perigo. Preocupar-se, dar o melhor de si, enfrentar desafios e dedicar-se ao trabalho com toda capacidade e toda alma não são pecados, muito pelo contrário, é o que se espera de cada um; o perigo é a confusão e o endeusamento, é o vício.

A sociedade, hipocritamente, condena o viciado em álcool, por exemplo, mas trata o vício no trabalho como virtude. Conforme Goethe (acho....), "um erro continua um erro, por maior que seja o número de seus seguidores". Ambos precisam de tratamento.