Brasil!

Outro dia destes fui ao Psiu dar entrada na documentação da carteira de trabalho. Entrei em fusão com um mundo muito real. Onde atuo somente como observadora. Pessoas, muitas pessoas querendo muito um emprego, tentando resolver seu problema com o título de eleitor, tirando carteira de identidade, segunda via, terceira via, quarta via, todas as vias, etc. E etc. Faz-se de tudo no Psiu. É como uma colméia sem a abelha rainha. Uma bagunça nada informatizada, nada organizada.

Descobri que procura-se emprego no Psiu! E eu achando que, para conseguir um trabalho digno, precisávamos, cidadãos comuns, de "cebo nas canelas", "pernas pra que te quero" e "quem tem boca vai à Roma"... Que nada. Você pode ir ao psiu, ver as vagas disponíveis e participar das seleções. Simples assim. O mais bacana é que você vai fazer a entrevista toda 'bunita' e perfumada e vê o entrevistador chegar, subir na cadeira rasgada e dizer que "ocorreu um probrema" e que todos terão de esperar mais algumas horas. E ele tem a maior autonomia pra dizer isso, no alto dos seus,

sei lá, cinqüenta anos, camisa amarela desbotada desabotoada até o meio do peito nada ofuscado pela corrente dourada "banhada" a ouro. Ai! O mais incrível é que as pessoas, desempregadas, não se aborrecem nem se indignam e aproveitam o tempo para melhor conhecer seus concorrentes. "Ô fia, cumé que ocê se chama?", "Já trabaiô antes?", etc. E a rádio pião está sintonizada.

O tempo passa e a sala fica cada vez mais enfurnada de gente, de pessoas, de seres humanos e tudo mais. É... O mal do país é mesmo a educação. Ou a falta dela. E não digo a educação cordial. Essa, aliás, se não aprendemos em casa ou na escola, aprendemos no Psiu. Se alguém te dá a senha 238 você tem mesmo que agradecer a Deus, o seu e o dela. Se o funcionário não te dá um empurrão, pelo amor dos santinhos, agradeça, dê um beijo e um abraço! Se alguém pisar no seu pé, finja de besta ou se desculpe por existir. E por aí vai.

Mas me refiro á educação comportamental! Alguém que ensine a nós, coitados ignorantes, a não usar decote profundo durante uma entrevista de emprego. Que nos ensine a não calçar meia laranja com tênis transparente da Sandy, calça jeans rasgada, blusa branca encardida e cachecol azul claro. Ufa! Que nos ensine postura de voz, uso do diafragma. Alguém que nos ensine que não adianta ficar calado... Porque o corpo fala. E a fala, coitada, esganiça aos ouvido do bem educado. Alguém que nos ensine que não podemos nos casar aos 15, grávida do segundo filho, parar de estudar aos 16, ficar em casa cuidando do marido, parar de fazer a unha e passar batom e, 25 anos depois, ir ao psiu falar mal do Lula! Que nos ensine que temos que escovar os dentes, fazer a barba, passar as roupas, pentear os cabelos e que não devo, de forma alguma, usar uma calça de moletom verde musgo (daquelas com proteção nos joelhos, parecida com as tartarugas ninjas) enquanto procuro emprego. Alguém que nos ensine que não devo "fazê" igual a minha vizinha Maristela e sim que tenho que fazer a diferença. Que escrever 'português' é diferente de escrever 'brasileiro', o que é plural e que é diferente do singular, que 'nóis' é errado, que ser pobre de espírito é pior que a pobreza financeira, que não é o traficante que manda no morro, que não é a mídia que faz a política, que não é o Bush que faz a guerra...

Mas eu, egoísta e insana, posso e devo 'estar querendo' demais. Pra quê saber de tudo isso se tudo o que nós queremos é um empreguinho de carteira assinada, ganhando muito e fazendo nada, com férias, décimo terceiro, bônus, premiação e um chefe invisível surdo e mudo... Só 'mermo' porque "a gente precisa trabaiá, né? Pra cumprá os leite dos minino.".

Carol Bahasi
Enviado por Carol Bahasi em 17/04/2006
Código do texto: T140622