SABER ESCREVER

Saber escrever textos literários é nunca ter que pedir, implorar, mendigar para que outros leiam esses textos.

Quando se sabe escrever, as pessoas pedem para ler, e até pagam para ler.

Saber escrever é resultado de anos e anos de prática árdua e insucessos muitos. A maioria dos grandes escritores passados e presentes tiveram que aprender, primeiro trabalhando como repórteres e jornalistas de pequenos, e depois de grandes jornais e, com a ajuda dos mais velhos e experientes, errando, tropeçando, foram, lentamente, duramente, aprendendo a arte de escrever.

Trabalhando em jornais, aprende-se que o público é dividido em segmentos de interesse, do que decorre o surgimento de jornalistas especializados nas áreas de esporte, policial, político, econômico, científico, e até artístico, cinematográfico e literário. Um público para cada tipo de jornalista, um jornalista para cada tipo de público.

No começo é o foca, jornalista calouro, iniciante, candidato a ser repórter de rua que corre atrás da notícia, do furo de reportagem, da entrevista exclusiva.

Anos depois de se tornar repórter especializado em cobrir só segmentos de sua área, o jornalista entra no jornalismo formador de opiniões, isto é, torna-se colunista do jornal na área em que atua. Alguns se tornam editorialistas de prestígio internacional.

A passagem do jornalismo para a literatura ocorre por meio de um processo simbiótico. O repórter precisa dar a notícia de última hora para seus leitores, mas isso tem que ser feito de um modo que chame a atenção, desperte o interesse e faça com que o leitor leia a notícia do começo ao fim, e não apenas o título ou cabeçalho. Para conseguir isso tudo o repórter tem que fazer uma maquiagem na notícia, enfeitá-la acrescentar aqui e ali, no que é verdadeiro, e um pouquinho do inventado, da ficção criada por ele. Com o passar dos anos, essa prática de inventar acaba se aperfeiçoando tanto que ele, o jornalista, acaba criando histórias puramente imaginadas que são os contos e os romances, o que ele faz em casa, fora do horário de expediente na redação.

O POEMA

No começo não havia escritores de romances ou de contos pois não existiam leitores, uma vez que 99% da população não sabia nem ler e nem escrever. Até os integrantes da alta nobreza eram analfabetos. Assim, eles “viam” a literatura através dos teatros e “escutavam” a literatura através dos Poemas.

O itinerário do poema difere daquele que dá origem ao conto e ao romance.

Nas origens, um poema jamais era composto para ser recitado, ser lido, ser declamado. No começo, um poema era apenas letra de música, a chamada canção, composta pelos trovadores. Um poema nascia para ser cantado e nunca para ser falado. Isso explica porque o poema é construído em versos. O verso marca o fôlego do cantor. Além disso, o verso segue a lei fundamental da música, isto é, o ritmo. Sem o ritmo, o verso é uma criança morta. Por esse motivo, foram inventadas as técnicas da metrificação dos versos.

A música foi e continua sendo o berço de origem de qualquer um que pretenda ser poeta. Sem uma demorada e árdua aprendizagem de música inexiste o verdadeiro poeta.

Aprender música é aprender Solfejo, é aprender Contraponto, é aprender Harmonia, é aprender Composição, é aprender Orquestração. Anos e anos de aprendizagem, prática, disciplina dura, suada. Começar logo cedo é preferível, com oito anos de idade, quando a alfabetização já se completou.

Longos anos de jornalismo criam o grande e consagrado Contista, o prestigiado Romancista.

Dez anos de Música, dos oito aos dezoito anos de idade, são condição imprescindível (mas não suficiente) para o surgimento do Poeta com letra maiúscula. Ninguém está falando aqui em músico profissional. Educação em música durante dez anos é do que se trata.

Mas, e se uma pessoa aprendeu música dos oito aos dezoito anos e desde os dezesseis anos pratica o jornalismo profissional?

Nesse caso tem-se os requisitos necessários e indispensáveis para que essa pessoa seja simultaneamente Poeta e Romancista.

O presente texto é uma Crônica, não é nem um Ensaio e nem uma Tese, portanto não adentra em detalhes, nem em controvérsias.

Ninguém se arvora em ser músico instrumentista, e muito menos músico compositor sem anos e anos de duríssima prática em estafantes exercícios. O mesmo se diga das demais artes, artes cênicas, pintura, escultura, cinema. Porém, a Literatura parece ser a Terra de Ninguém onde entra todo mundo, entra quem quer, todos se achando Escritores e Poetas. Todos acreditando na própria Mentira de que Escrever Literatura é uma coisa que se nasce sabendo.

Nada a opor quanto ao diletantismo, quanto à recreação, quanto à troca de elogios lacônicos que nada dizem, só elogiam.

Porém, saber escrever literatura é jamais ter que implorar para que os outros leiam.

Saber escrever é receber pedidos para que escreva, é ser pago para escrever, é escrever obras imunes ao tempo e que perduram, talvez não para sempre, mas por décadas e até séculos.

MILIPA
Enviado por MILIPA em 30/01/2009
Código do texto: T1413280