O VELHO BAÚ DE CORDA!
 
Há exatos dez anos não me atirava à limpeza de meus armários. Não aqueles armários de nossa existência – muito mais importantes - mas aqueles de madeira, embutidos nas paredes que sobejam nos apartamentos de construções antigas e que, igualmente, os lotamos de coisas desnecessárias.
 
Quanta coisa mudou nesses dez anos! Acontecimentos com os quais eu não contava, surpresas que dão susto, novos amores que surgiram. Contudo, a limpeza e organização dos armários foram ficando em segundo plano. Falta de tempo ou de vontade?
 
Escada armada para o trabalho, mãos desprotegidas – não dá para fazer esse trabalho com luvas – máscara no rosto, por conta da alergia a pó que me persegue e lá vamos nós, retirando tudo que havia nas prateleiras, uma a uma, inundando o chão de ácaros, limpeza total com pano umedecido, álcool e conferir a diferença.
 
Caixas e papéis no chão sento-me confortavelmente e inicio a separação do que pode-se – e deve-se – jogar fora e o que tem utilidade, hoje ou mais tarde, um dia, quem sabe.
É assim que vamos guardando futilidades, coisas sem nenhuma importância em nossas vidas.
 
Recibos antigos com mais de cinco anos que já posso descartar, velhos apontamentos referentes ao trabalho que exercia, agendas usadas, guardadas sem mais nem porquê. E olhe, que não sou dessas pessoas que se apegam a coisas velhas – não mesmo! Imaginem se fosse!
 
Um bloco de notas, o que será que contêm isso? Abro e – surpresa – poesias, crônicas, textos, de um momento poético que escrevi e ficaram esquecidos com outros papéis velhos, em uma pasta de plástico. Relíquias! Nem sei quando esses textos foram escritos... Dou uma folheada. Dá para aproveitar, fazer uns ajustes aqui e acolá e publicá-los. A gente muda, os estilos também!
 
Um velho baú, pequeno, de corda. Pertenceu a minha mãe e o guardei comigo. Abro-o. Em seu interior, nada que me fizesse lembrar-me dela. Apenas bilhetes, fotos, lembranças. De um tempo que não volta mais... nem você. Seus bilhetes carinhosos quando ia procurar por mim e eu não estava. Você usava sua chave e deixava sempre um bilhete em cima da mesa, depois de se cansar, esperando por mim. Faz tanto tempo!
 
Leio cada um deles, desboto ainda mais cada uma daquelas fotos com meu olhar regado a lágrimas que teimaram em cair. Você não merecia que eu amealhasse por tanto tempo essas lembranças. Que deveriam ser como um tesouro escondido, mas não é.
 
Após a separação de todas as inutilidades, recoloco tudo nas prateleiras – agora limpas – dos armários e recolho os vários sacos de supérfluos que reuni, tomando o devido cuidado de separá-los por categorias – para reciclagem.
 
E o baú de corda com todas aquelas lembranças inúteis, guardadas como jóias preciosas por tanto tempo que nem sei mais quanto! Você não merece que eu me apegue a nada disso. Vou apagar de uma vez por todas essas tolas recordações! Jogar tudo isso fora...
 
Não tenho coragem. É uma parte de minha vida das mais intensamente vividas e não posso desvencilhar-me de algo que faz parte de mim. Limpo o baú, carinhosamente, forro com papel de seda, e recoloco-o em seu lugar, de onde não sairá jamais! Vou guardar você, dentro de minhas lembranças – para sempre – neste velho baú de corda!


Ah! Se este baú pudesse falar
Na certa iria reviver
Todas as minhas lembranças...
(Maria Emilia)