Masturbação e culpa

O fato de adolescentes se culparem pela prática da masturbação é dado comum observado por psiquiatras que lidam com pacientes nesta faixa de idade. E o fato de pacientes, em manicômios, se masturbarem muitas vezes, é observado por psiquiatras de adultos. Na culpa-adolescente o fenômeno é cultural. No segundo caso é biológico, como fazem os macacos no cativeiro.

A palavra masturbação já surgiu condenada pela etimologia. Citada a primeira vez pelo poeta Marcial no século I d.C. – tem semântica depreciativa já que deriva de “manu” e “stuprarere”, ou seja, “sujar com as mãos”. Mas por que a masturbação é vista com tanta carga de culpa? E quando ela é considerada manifestação de transtorno mental?

Temos de recorrer à Antropologia e à Biologia para entendermos a questão. Psiquiatra ou psicólogo que não estuda essas duas ciências possui um limitado campo de análise por não perceber de forma crítica a realidade. No campo antropológico, os estudos de Clellan Ford e Frank Beach, de Yale, em “Patterns of sexual Behaviour”, 1970, ao analisarem 170 sociedades primitivas em cinco continentes, concluíram que os adultos nessas culturas raramente se masturbam. Para adolescentes é considerada “natural” no processo de desenvolvimento. Esses estudos confirmam os de Malinowski sobre os nativos das ilhas Tobriand: a masturbação em adultos só poderia ser praticada por “idiota(...) ou um dos infelizes albinos, ou com alguém com problemas de fala” (“A Vida Sexual dos Selvagens”). Em suma, tanto nos índios Crow, da América do Norte, quanto na tribo Trukese, na Oceania, a masturbação, em adultos, é vista como incapacidade e há algum tipo de pressão social contra ela.

Tais fatos entre os primitivos, detentores de certa liberdade sexual, são diferentes da repressão do cristianismo-judaico à masturbação. Dentro dessa moral, sexo serve apenas para produzir filhos e não para o prazer. E lógico: muitos adolescentes sentem-se culpados por terem consciência da desaprovação.

O interessante é que a Psicanálise tem uma visão semelhante à conduta dos povos primitivos: vê a masturbação como atividade normal só em crianças - como parte do desenvolvimento sexual – mas como sinal de imaturidade em adultos.

Para compreendermos melhor o assunto vamos recorrer à outra ciência, a Biologia. Os comportamentalistas (behavioristas) observam que a masturbação tem suas raízes evolutivas na tendência biológica, normal e adaptativa, de manipular, limpar e estimular órgãos sexuais externos, principalmente pelos mamíferos.

Quando se chega aos primatas, macacos nossos primos, a masturbação aumenta, principalmente em cativeiro. De todos eles, os mais desabusados, em termos sexuais, são os chimpanzés. Machos e fêmeas gostam de sexo tanto quanto o homem e a mulher: acariciam-se, masturbam-se, divertem-se à vontade. Se como diz Desmond Morris, o ser humano adora sexo, os chimpanzés não ficam atrás. Também curioso: no mundo animal as fêmeas se masturbam menos que os machos.

Juntando-se os estudos de Antropologia com os de Biologia, fica mais fácil entender o psicológico. A criança se masturba acidentalmente e gosta da excitação, como pegar no “pipi” ou roçar na sela da bicicleta. O adolescente se masturba tanto mais, quanto mais isolado se vê diante do mundo e da comunicação interpessoal. Do ponto de vista quantitativo, a Medicina, ainda não conseguiu estabelecer o que é normal ou excesso em termos de masturbação adolescente.

Pode parecer preconceituoso achar que o adulto tem transtorno mental quando, mesmo tendo um companheiro e afeto, continue a se masturbar várias vezes por semana. Há quem ache por exemplo, que a masturbação obsessiva, em adultos, mostra dificuldade de contato na relação eu-tu e pode ser sintoma de transtorno mental. Não é à toa que os macacos em cativeiro se masturbam mais. Não é em vão que as sociedades primitivas exercem certo nível de coerção sobre a masturbação em adultos. Se há satisfatória relação a dois, qual a necessidade de prática do ato masturbatório, autista, auto-erótico e esquizofreniforme? Só a solidão a dois justifica a auto-estimulação compulsiva.

No entanto, quando, no processo de desenvolvimento, a criança é reprimida de forma inadequada, pode gerar complexo de culpa em relação à masturbação, sendo um dado muito importante no desenvolvimento de distúrbios obsessivos com fundo depressivo. Em nossa experiência, a negação da sexualidade, a vergonha em discutir sexualidade, está presente em muitos quadros de hiperansiedade.

Quando os pais estimulam a masturbação em caráter exibicionista, às mais das vezes, a permissividade pode representar suas necessidades de gratificação reprimida, contraespelhando-as nos filhos.

Que as masturbações descarregam tensões, todos sabem e aprovam. Porém descarregar tensão a sós, diariamente, com grande intensidade compulsiva, afasta o adolescente da realidade, num recuo à fantasia, ao derreísmo, ao devaneio, encapsulando-o cada vez mais. O bom é quando fluem com naturalidade, transitoriedade e desculpabilização.

Maurilton Morais
Enviado por Maurilton Morais em 20/04/2006
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