A vida de uma escolha só

Sempre quando vou escrever sobre minha vida me dá um nó na garganta, não sei se é pelas coisas que passei para chegar até onde cheguei ou é emoção passageira. Enfim, um pouquinho vocês vão saber de como é fazer uma escolha profissional.

Digo que quando eu nasci, foi voando. Acho que de tão feio o médico me jogou pra enfermeira, que me jogou pra outra enfermeira, passando de mão em mão até chegar aos braços da minha mãe. Nem lembro se chorava ou se dava risada, era pequeno e feio. A partir de então foram se passando os anos e como era um gaúcho ruim de garfo, minha mãe me colocava num pilar e ela ficava me mostrando os aviões que passavam diante dos meus olhos. Eu, pra quem não sabe, moro ao lado do aeroclube a minha cidade. Sempre tinha muitos aviões naqueles anos de 86/87 por ai. Talvez por eu associar comida com avião, comecei a gostar daquele treco voador. Sempre tive fascínio pelos objetos voadores, lembro-me que um dos brinquedos favoritos que ganhei foi um avião que “decolava”, abria a porta, fazia uma voltinha , o chamado backtrack. Costumava falar para minha mãe que o que mais queria era ser piloto de avião. Só que ela sempre teve muito medo que eu sumisse, sei lá, criasse asas demais e voa-se muito alto.

Minha maior diversão era acordar sábado e domingo e ir brincar no aeroclube, no meio daqueles aviões que para mim era jóias raras. (momento emoção). Era proibido entrar nos aviões dentro do hangar, mas como era cedo eu e meu amigo e vizinho Felipe entravamos e ficávamos brincando ali, imaginando que nós alçasse vôos e partisse para o alto das nuvens. Era sempre divertido, sempre tínhamos alguma idéia, voar para São Paulo, Disney etc. Depois do sonhando acordado a gente ficava ali no hangar, correndo pra lá e pra cá. Entre cheiros de avgás (gasolina de aviação) e mãos sujas de óleo, minha mãe gritava “Vemm almoçar Mateus”. Estava esgotado o meu tempo de diversão. Mas claro, era só ate terminar o almoço que mau comia e lá estava eu novamente, entre graxas, avgás, e a pedra. A pedra é um local onde os garotos que voam sozinhos - voam solo - pela primeira vez tomam banho de óleo. É bem do lado da pista do aeroporto, então todos aviões que pousavam a gente poderia ver. Era legal porque tinha cada manicaca ou os chamados por nós da aviação por braço curto.

Mas com o passar do tempo, anos, eu tive que estudar praticamente todo o dia, pela manhã era escola, pela tarde, inglês e a noite natação. Creio que minha mãe fez isso porque não gostaria de me ver tão fixado no que mais amava. Mas com 15 anos por ai, minha mãe teve uma idéia genial, me matricular num curso de Informática, era um curso técnico, está certo que era uma coisa promissora e tudo mais, só que não tive nem escolha, eu queria mesmo era aviação. Foram 2 anos neste curso, no inicio era chato, era o pior da turma, com os piores, me sentia um lixo naquelas aulas de algoritmos com a tal professora Verônica. Uma carrasca. Eu realmente comecei a gostar do curso lá pelo final quando conheci o tal do Linux, sistema operacional, que na época era praticamente uma tela preta com linhas de comando, parecido como o DOS de hoje, por intermédio do meu então professor Rudimar Rebeschini, ao qual eu tenho plena admiração, e me fez conhecer mais sobre o Linux e pelo professor Osvaldo que me ensinara Oracle aprendi que a informática tinha seu valor, comecei a ir para a aula com entusiasmo, com vontade.

Terminado o curso técnico estava lá desempregado, com 17 para 18 anos sem saber o que fazer da vida, foi então que o tal professor Rudimar me deu uma chance de emprego no Jornal Pioneiro, do grupo RBS TV, aqui do Rio Grande do Sul. Foi daí que as coisas começaram a mudar. Passei depois do Jornal por 4 empresas. Elas me deram apoio e suporte financeiro para o que mais queria.

Num sábado pela manha acordei animado, com vontade de fazer algo que era pra ter feito a 3 anos atrás, me matricular num curso de Piloto Privado. Peguei minhas coisas, atravessei as calçadas das casas vizinhas e entrei no aeroclube, depois de muitos e muitos anos. Desde quando comecei a estudar e ficar sem tempo, ir á aula, ao inglês e a natação, tive que deixar minha paixão de lado, mas lá estava eu novamente, olhando para o PT-DNE – prefixo do avião que voei pela primeira vez – era um misto de emoção, de alegria, de desejo cumprido. Me matriculei, paguei com meu dinheiro e depois avisei minha mãe que eu tinha me matriculado, não me lembro direito a cara que ela vez, mas certamente ela pensou, “O que ele quer, a Varig está quebrando”. Mesmo que não seguisse a profissão eu estaria realizando um sonho. Era um sonho que sempre tive e já estava mais perto do que nunca. Demorou um pouco até sentar á classe, acho que fui o primeiro a me matricular, mas quando estava ali, sentado olhando para aquelas peças aeronáuticas, os livros, me senti grande, feliz.

Algumas semanas depois de ter iniciado o meu então curso e estar estudando, minha mãe chegou á mim e perguntou-me se gostaria de fazer a faculdade de ciências aeronáuticas. Sonho no qual tinha almejado há anos atrás, mas aquilo parecia tão distante que nem pensara mais na hipótese. Foi então que sem remediar eu falei “Sim, eu quero”. Ai começou a cair o mundo aqui em casa, meu pai contra, minha mãe a favor e eu rezando pra tudo dar certo. Foi então que veio o meu primeiro vôo. Sério gente, não sabia se chorava, ria, gritava, voava, não sabia o que fazer, era tanta, mas tanta coisa pra fazer naquele primeiro vôo que ficava num turbilhão de sentimentos. Me lembro só na hora que decolei e olhei pra baixo e pensei, “Sonho realizado”, foi a única sensação que me recordo. Era como um alpinista tivesse chegado ao topo do Everest.

O tempo passou, dificuldades começaram a aparecer na minha vida, entre elas, entrar para a faculdade mais desejada entre os pilotos, Faculdade de Ciências Aeronáuticas – FACA – PUCRS. As dificuldades se tornaram freqüentes nesta época, namorava na época então a dificuldade foi maior, tive deixar em Caxias do Sul alguém que eu amava e muito. Mesmo que no outro final de semana eu a veria novamente, mas foi duro deixá-la, mas o meu objetivo tinha um caminho. Chegando em Porto Alegre me lembro que pedi para o taxista – “boa tarde, na Riachuelo 648” – foi então que cheguei a minha nova casa. Gente, não queiram saber o perrengue que passei a partir daí. Morava num lugar nojento, sem água quente, cheio de pulgas e ainda por cima, baratas do tamanho do cão. Confesso que muitas vezes pensei em desistir de tudo, pegar minhas coisas e voltar aos braços da minha então namorada e na minha casa. Mas tinha um objetivo final. VOAR. Agarrei nisto, meu sonho era maior do que meu desejo de voltar, do que meu medo de descobrir coisas novas.

A vida continuou voando depois que cheguei pelo primeiro dia em Porto Alegre, nem parece que se completaram 3 anos na faculdade, que levo como sendo minha família, na qual tenho muito respeito. Hoje moro sozinho, num apartamento legal, é um JK, mas pra mim ta ótimo. Neste tempo, tive grandes mestres, que foram além de amigos, foram pais, aqueles que em momento de fraqueza, longe da família, te apoiavam, dando suporte emocional e muitas vezes com um “Simon e ai tudo certo rapaz?” davam sentido ao principal motivo de estar ali.

A vida de uma escolha profissional, principalmente a aviação é difícil, não é nada fácil, você tem que lutar contra muita coisa, tem que ter um suporte familiar legal e principalmente lutar pelo que você acha certo, pelo seu sonho. Se não tivesse dado o primeiro passo, que foi pagar o curso teórico de piloto privado, possivelmente eu estaria trabalhando com informática ainda, na frente de um computador pensando em aviões.

Hoje, desde que entrei nesta fase “piloto de avião” me vejo conquistando o que sempre sonhei, e isso realmente não têm preço. Se você, que leu este texto até o final tiver um sonho, lute por ele, mas lute com garra, com vontade, porque um sonho não pode ser destruído como um pedaço de papel que você amassa e joga fora. Sonho é para ser conquistado, construído, mesmo que isso demore anos, pois o sentimento de conquista se torna valioso, único e pode ter certeza, muda a sua vida por completo, acredite em você, no seu potencial e lute!

Mateus H. Simon