Aqui jaz: uma crônica de humor sobre velórios

Na cultura ocidental a morte é vista como uma cerimônia de passagem triste que não cabe comemorações.Será?

Há quatro meses uma amiga de infância contou-me animada que havia conversado durante um longo tempo com uma atriz global e a achado simpaticíssima.De quebra, ouviu uma “palhinha” de um cantor de pagode, que contou com uma platéia de meia dúzia de braços balançando de um lado para o outro:

-Bacana, Li. E onde foi essa festa?- perguntei.

-Festa? Não, não! Velório!

Até agora não me lembro quem morreu nessa festa, digo, velório.

Também não me esqueço de um velório que fui há alguns anos:

-Querida, prefere muçarela ou calabresa?- ofereceu-me a “anfitriã”.

Juro que não consegui responder nada! Pizza em velório? No Brasil, até os velórios agora acabam em pizza?Nunca tinha visto isso até então. Mas uma coisa eu digo: estava deliciosa, quentinha, ao contrário do...esquece!

Gafes nestas ocasiões também acontecem aos montes.Não sei o que se dá: nervosismo, embaraço, mas algumas pessoas sentem vontade de rir (algumas não ficam somente na vontade, acabam rindo); outros dizem “meus parabéns” no lugar do clássico “meus pêsames”. Há outros que já se atrapalham já nos cumprimentos:

-Oi, tudo bem? - na chegada.

-Até a próxima! -
na saída.

Velório é ainda, para muitas famílias uma excelente oportunidade de rever parentes distantes.Enquanto o morto fica lá ( ufa, ainda bem!) a parentada se anima com o reencontro: é uma tal de “ nossa, como você cresceu”, “ta grávida de novo?” A prima Emengarda foi trocada pela enésima vez por outra, coitada”, “vai lá em casa...”.Vira uma reunião de família!

Lembrei-me agora daquele filme “Meu primeiro Amor” (My Girl).O pai da protagonista é um agente funerário e oferece serviços de maquiagem aos defuntos.Se a trama fosse rodada nos dias atuais, além da maquiagem incluiria a filmagem do velório (tem de tudo nesse mundo).Como alguém pode querer ter um DVD destes em casa? Deve ser mais maçante que assistir a uma gravação de formatura, casamento e batizado! Já no quesito “tristeza”, acho que dá empate!

Minha sogra é uma figura!Sempre que pode vai a velórios.Lamenta-se quando não pode comparecer a um.Não importa de quem seja, da alguém da vizinhança de amigos ou parentes.E se você leitor, “convidá-la” para ir a um, ela vai, na maior felicidade, no melhor estilo do “papa-defuntos”.Volta dando detalhes da cerimônia:

- Estava tão sereno ...parecia dormir!

Navegando pela Internet, encontrei por acaso um humorista chamado Rogério que, para enfrentar a escassez de trabalhos em sua área , fazia bicos como “animador de velório”, uma visão moderna e oposta das carpideiras que cantavam e choravam em velórios, por acreditarem que quanto mais gente chorasse, mais rápido os mortos retornariam à vida.O humorista-animador era contratado por amigos do morto, mas nem sempre era bem recebido entre os familiares!Que situação!

Independente de qualquer coisa, o velório é uma cerimônia fúnebre, um rito de passagem. Mas o mercado está cada vez mais de olho nesse tipo de “negócio”, construindo caixões personalizados, com logo de times de futebol, filmando a cerimônia, exibindo-a via Internet e até, pasmem,confeccionando jóias a partir das cinzas do falecido.

Se você leitor, não tem o mórbido habito de assistir a velórios via webcam (embora aviso que se você quiser, poderá fazê-lo sem necessidade de cadastro, senhas ou login), deixo aqui, como mera sugestão, dicas de dois filmes e um livro :

“Meu primeiro Amor” (My Girl), 1991

“As melhores choradeiras”, 2000 –
curta-metragem brasileiro

“Cazuza”, de Viriato Correia
(literatura infanto-juvenil)


Uma última coisa: eu não tenho medo da morte, apenas temo viver uma vida morta.Amém!


(Maria Fernandes Shu-08 de fevereiro de 2009)



Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 08/02/2009
Reeditado em 25/11/2009
Código do texto: T1428864
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