Tô bom de morrê...

- Tô bom de morrê, meu filho...

Esta era a frase preferida de seu Pedrinho quando deparava com um fato inusitado, uma notícia cabeluda, qualquer coisa absurda.

Nos anos 1950, seu Pedrinho aportou em Roraima trazido pelos Silvas. Pelos Barrudadas.

Pequenino - sua altura não chegava a um metro e meio -, seu Pedrinho era uma mula. Não no sentido de burrice (ou seria mulice?). Refiro-me a trabalhos pesados.

O baixinho circulava pela Jaime Brasil - entre Floriano Peixoto e Getúlio Vargas (Calma, estou falando de ruas e avenidas) – e, muito solicitado por comerciantes, carregava enormes e pesados fardos, caixas e engradados sobre a cabeça ou sobre as costas sofridas. Não rejeitava trabalho. Muitas vezes, aquela coisica miúda sumia debaixo de tanta carga.

Não sei onde ele morava. Penso que em algum puxadinho lá pelo quintal de seu Barrudada. Alimentação? Acho que ele segurava o peito na casa de Pedro Francisco, pai de Osmar Silva.

Aos domingos e feriados religiosos, seus únicos dias de folga, ele surgia em limpíssimas camisas xadrez de tecido barato, calças cáqui, e alpercatas de couro cru. Parado, ficava ouvindo as conversas dos bacanas no Café Cristal, ou sob as mangueiras de Vó Etelvina. Barba bem feita, cheiro de alfazema; sempre com o pequeno e característico chapéu de palha entre as mãos (respeito aos mais afortunados?).

Quando falava sobre a esposa e os filhos, seus verdes e apertados olhinhos brilhavam. Saudade. Saudade da mulher e da prole que ficaram no agreste cearense.

De carga em carga, de sol a sol, de trocado em trocado, seu Pedrinho sustentou a família e conseguiu diplomar os filhos em universidade federal.

O mirrado nordestino sumiu. Os filhos, “doutores”, mandaram buscá-lo e ofereceram-lhe dignidade até o fim de seus dias. Reconhecimento louvável.

Hoje, com essa vida maluca e violenta, imagino quantas vezes seu Pedrinho exclamaria “Tô bom de morrê, meu filho...”. É pai matando filho, é irmão matando irmão, é filho batendo em pai e mãe, é mulher corneando marido descaradamente, é marido corneando mulher (normal), é homem largando esposa pra viver com outro homem, é mulher largando marido pra amassar bombril noutros bombris, é adulto abusando de criancinhas para dar vazão a taras sexuais, é juiz roubando e cometendo ilícitos, é policial cometendo crimes, é governante roubando o pão da boca de governados, é pastor vendendo indulgências, é padre comendo ovelhas de seu rebanho...

É, acho que EU “tou bom de morrer, meu filho...”

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 09/02/2009
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