NOITE INSONE

Vai alta a noite. Tento o sono conciliar, mas, nada. Ouço a circulação do sangue , as batidas do coração. Começo a pensar. Vem-me à lembrança um velha crônica, não me lembro mais nem o autor ( velho é assim, esquece tudo mesmo), que dizia mais ou menos :À noite, quando tudo dorme, começa o sabá. Duendes e fantasmas, toda uma população que detesta a luz do sol sai de suas tocas e inicia a festa, assustando os insones, perdidos na noite.

Eu e minha solidão tentamos entrar na festa, mas não conseguimos ingresso.  Esqueço a solidão e tomo outro rumo. Vou ao quarto de despejo onde baús velhos, cobertos de pó, estão guardados, fechados, trancados.
Abro o primeiro. A chave range na fechadura enferrujada; levanto a tampa e de dentro ressurgem nítidas as lembranças da infãncia. Alegrias, tristezas, perdas... Tudo faz parte de uma vida. Eis a centenária casa colonial que me viu crescer. O Colégio se ergue altaneiro e uma a uma desfilam na memória colegas, mestras(ah, quantas já se foram!).Não quero mais saber o que resta nesse baú.

Abro o segundo: Com mais facilidade gira a chave e o conteúdo se apresenta. Juventude, festas, namoricos, casamento... Filhos logo aparecem. Vêm os netos, bisnetos...Cada qual é um, com suas características, suas preferências. São as joias que o tempo não destrói.Continuo a remexer o baú e de repente mais perdas. Não quero saber mais nada.
Abro o terceiro e último baú. Nele encontro os sonhos perdidos, os amores inesquecíveis. É o presente que surge, nítido, claro.
Fecho o baú.
Olho a janela. Os primeiros clarões do dia se anunciam e, como na velha crônica, recolhem-se os fantasmas . À rotina do quotidiano retomo, após uma noite velando o passado.