Obediência ou Desobediência

Inicio a crônica reproduzindo um pequeno fragmento extraído da obra de Henry David Thoreau, - "Desobediência Civil" - onde escreveu: "a autoridade do governo, mesmo do governo ao qual estou disposto a me submeter - pois obedece rei com satisfação aos que saibam e façam melhor do que eu e, sob certos aspectos, obedecerei até aos que não saibam nem façam as coisas tão bem -, é ainda impura; para ser inteiramente justa, ela precisa contar com a sanção e com o consentimento dos governados."

O autor, um visionário que viveu muito à frente de seu tempo , é tido como "guru" dos anarquistas, e se algo é grande e notável em sua obra é a lição de que todas as formas de ação do Estado devem ser sempre alvo de questionamentos do cidadão, de modo que as imposições de quem exerce o poder só merecem o rótulo de justas, quando contem com a sanção e o consentimento dos governados. A contrário senso, quando o Estado age com pouca ou nenhuma ética, o cidadão lhe nega o respeito e a obediência.

Quem exercer governo e impor poder contrariando essa lúcida orientação de Thoreau, fatalmente estará se afastando para muito longe do conceito de democracia e, pior do que isso, estará conduzindo a massa governada para o perigoso território da desobediência civil, pelo simples fato de que os conduzidos fraudam com muito prazer as ordens que entendem injustas e ilegítimas e que ferem a ética coletiva.

O modelo de Estado Policial ora imposto ao Brasil e que está sendo justamente repelido pela advocacia -com aval de alguns outros operadores do direito -está conduzindo os governados para um confronto com suas autoridades, de forma que rompem-se os liames de confiança e a conduta coletiva torna-se naturalmente voltada para desobediência ao invés da obediência. Como obededecer a um Estado que batiza o calote com o nome de precatórios e , ao mesmo tempo, cobra furiosamente seus tributos?

Um estado que não oferece segurança, mas mantém patrulheiros federais com régios salários de R$ 5.000,00 a R$ 7.000,00 à espreita em moitas e arbustos para multar cidadãos que circulam a 80 Km/h , fixando um limite "conveniente" de 60 Km/h, é o mesmo estado que investe fortunas em câmaras para bisbilhotar as placas dos automóveis e monitorar o direito de ir-e-vir ou em bafômetros para prender quem bebeu uma lata de cerveja.

Enquanto isso , traficantes agem livremente nas portas das escolas, onde via de regra não há câmara nem policia e quando é preso um drogado tratam-no como um "doente".

Um Estado que, rompendo todo e qualquer padrão ético, adota uma Polícia Rodoviária Federal caríssima ao contribuinte para, ao invés de colocá-la no combate ao crime, usar seus agentes para impor multas que podem até ser "legais" na letra fria da lei, mas que são altamente questionáveis no plano ético e que são vistas pela enorme maioria da população como uma extorsão estatal.

A tecnologia eletrônica do Estado, caríssima para o erário , adquirida com o dinheiro do contribuinte, é posta a serviço da fúria de arrecadação de um modelo insaciável de receita pública, frustrando a expectativa da cidadania que queria ver esses recursos aplicados no aprimoramento do combate ao crime . O povo espera que o Estado invista o dinheiro arrecadado para devolver em segurança e não para aumentar em arrecadação.

Não é em vão que nas estradas o "sinal de luz" para avisar sobre a presença da Polícia virou regra, traduzindo justamente essa visão "nefasta" de autoridade. A enorme maioria das pessoas condena as práticas atuais, e a voz da Advocacia folga em dizer que, a persistir o atual modelo, caminhamos a passos rápidos para a desobediência civil.

Ainda é tempo de reverter equívocos e inverter o fluxo, colocando o Estado e suas tecnologias a serviço da cidadania e do equilíbrio das relações sociais e não valendo-se de sua força repressiva como reforço de arrecadação. Está demais !