Cantor de bolores

Que à primeira vista me fez circundar toda a circunferencia à minha volta. Não tinha sequer a companhia macia do sossego velando minhas confusões a caminho do trabalho. Subiu arrastando as pernas batidas deixando um rastro de pó sinuoso na passarela. As mãos vazias verdes violentados. Era cantor de boleros, e sua voz entrou quebrada aos meus ouvidos, o que me fez um ponto de interrogação cubista no semblante. Mas antes que eu pudesse desfazer-me, ele se desnudou em nossa frente, espectro inevitável da angústia, morta viva que se recusava a morrer. Sua voz eram raízes escuras que jamais chegariam à superfície, à luz de plástico e espuma, e, coicidentemente, nesse momento rodeávamos uma praça de árvores vermelhas artificiais. Era um filme rodado pelo absurdo. Ele pedia o beijo de uma niña, como quem pedia o beijo ardente da morte fria para fazer parte de algo, mesmo que o algo seja o não seja. Cantava lágrimas pesadas de tristeza, turvas dos machucados da vida, mãe e inimiga, se equilibrando ridiculamente naquele onibus como vinha fazendo todo o tempo, com medo de cair no inferno. Quase lhe contei que não havia mais como cair, mas que sei eu que desci logo depois, que o larguei quando me suplicava a mão, que o deixei sob um olhar estúpido de agradecimento, quando já implorava que parasse de jogar a vida descarnada diante dos meus olhos...