Aqueles que puxam os gatilhos

A mídia é pródiga em reportagens sobre mortes devido ao tráfico de drogas. Infelizmente, na maioria das vezes, o que é mostrado é apenas a pequena e visível ponta do iceberg. A ponta mais “midiática”, sem dúvida, pois rende ofuscantes manchetes. Talvez seja saudável olhar abaixo da superfície mais visível para que se tenha a real dimensão de quanto a morte está umbilicalmente ligada às drogas.

Fiquemos com a cocaína e comecemos, por exemplo, pelas condições sub-humanas em que trabalha a maioria dos catadores ilegais das folhas de coca – embora as dos legais também deixem quase tudo a desejar. Condições muitíssimo piores são as de quem trabalha no refino, escondido no meio da selva, sem qualquer conforto, assistência e garantia, a não ser a de arriscar a vida diuturnamente.

Após, vem o comércio no atacado e o longo caminho até chegar aos traficantes locais. Comércio que, não raro, envolve tráfico de armas e mais mortes. Caminho de logística sofisticada e onde a vida das mulas só vale pela quantidade de droga que carregam. Daí até o consumidor, lutas pelo controle de territórios, confrontos, mortes e mortes. E ainda não foi preparada uma carreirinha sequer!

A distância entre o consumidor ocasional e o viciado é tão curta que é coberta antes que haja consciência do fato. Destruição de valores, dos vínculos familiares são as primeiras consequências e, não raro o viciado torna-se uma ameaça à sociedade. Logo a droga cobra seu preço na saúde do usuário e a morte é seu destino natural.

Hipocritamente, boa parte da sociedade aceita quase como natural o uso recreativo da droga, como aquela cheirada “inocente” em festinhas, aquela puxadinha básica que “ninguém tem nada com isso”, aquele “vou experimentar pois sei me controlar”. Só que esse é o fator que mais empurra o consumo para cima. Esses “ingênuos inocentes” são os mesmos que viram o nariz ao mencionar certos bairros da cidade. Os mesmos que, com a desculpa de terem amor à vida, não entram nesses bairros. São eles que se beneficiam de toda a rede de desgraças. São eles que puxam os gatilhos.