A QUEM TRABALHO, TRABALHO, A QUEM HONRA, HONRA.

Duas frases de efeito. A segunda frase encontramos na Bíblia e citamos quando queremos homenagear alguém. A outra, a primeira, e isso não quer significar ordem de importância, carga de trabalho exaustiva. Hoje pela manhã, na Escola Dominical da minha igreja, nossa professora da classe de espanhol perguntou que exemplos poderíamos citar de pessoas na Bíblia, cujas vidas não devemos copiar? Cada um deu uma resposta e ao chegar a minha vez, afirmei: Maria e Marta.

Já assisti e ouvi centenas de sermões onde é exaltada a figura de Maria, aos pés de Jesus, ouvindo, bebendo seus ensinamentos. Marta queixa-se de que está atarefada, e pede a intervenção de Jesus. A resposta de Jesus é contraditória. Enfatiza que a escolha de Maria havia sido mais proveitosa.

Explicarei. Alguém tem que fazer o trabalho “sujo”: varrer, limpar, arrumar, cozinhar, lavar, passar, cozinhar, etc. Geralmente dentro de alguns lares existe distribuição de tarefas, em outros, a empregada cumpre o papel, enquanto os “sinhozinhos e sinhazinhas” apenas usufruem, sujando, confiados que há alguém pago para essa tarefa. Em outras famílias, há aquela que cuida e limpa a casa e, os outros que gozam das benesses, mas dão muito pouco em troca.

Comecei a ler atentamente o texto de Lucas 10.38-42:

Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Tinha ela uma irmã, chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos. Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.

Charles Swindoll fez e publicou um sermão com o título “Sufocando a ansiedade”, utilizando o texto acima e enfatizou a ansiedade como fator de estresse de Marta diante da visita inesperada de Jesus. E ele está certo sob está ótica. No entanto, quero chamar atenção de outro ponto de vista.

Jesus era, naquele momento, algo novo que havia invadido aquele lugar, sua fama corria através da sua fala, de seus atos, dos milagres. Logo, Marta e Maria viram-no entrar em sua casa. Um privilégio, uma honra, então, qual a metodologia que deveria ser aplicada aquela situação inusitada? Alguém deveria fazer as honras da casa, outra deveria cuidar para que fosse oferecido algo para a visita, um lanche, um almoço, o quer que fosse. Muito bem, mas eram três: Lázaro, Maria e Marta. Lázaro poderia fazer às vezes de anfitrião e as duas irmãs providenciariam o necessário. Provavelmente, Jesus não estaria ali sozinho, pois Jesus estava ensinando ou simplesmente conversando, e Maria achou interessante aquele fala, e claro, quis ficar por perto, “sentada aos pés”.

Alguém pode dizer: ora, e porque tem que ser Lázaro que deveria fazer as honras da casa? Tudo bem, concordo que Lázaro poderia fazer parte da solução. Mas, precisamos entender o contexto, um homem era um homem e, portanto, cozinha, limpeza de casa, são atribuições tipicamente femininas, e ainda hoje, muitas gente pensa assim.

Maria “escolheu a melhor parte que não lhe será tirada”. Certo, Marta sempre teria aquelas mesmas tarefas no cotidiano para repetir e repetir. A aparição e, mesmo, a amizade que seria fortalecida, posteriormente, entre Jesus e sua família não tem preço, como afirma o comercial. Então, qual deveria ser a atitude de Marta? Deixar tudo de lado, e sentar-se também e, cada um que resolvesse como deveria matar a fome depois? Ou quem sabe, todos usufruiriam do momento, e depois todos partilhariam também do trabalho de preparar a refeição, ou o que fosse que o momento exigia?

Quero chamar a atenção para uso indevido dessa passagem para os dias atuais. Jesus era uma novidade que passaria entre eles apenas três anos. Jesus é novidade na vida de indivíduos que o aceitam como senhor e salvador. Nossa percepção atual é quanto à ansiedade que é colocada nos ombros das pessoas por causa da conjuntura social e a economia de mercado exige um esforço dobrado para manter o padrão de vida, tendo dentre os instrumentos de ajuda, uma agenda, onde são ordenadas por ordem de prioridades as tarefas.

No passado e na atualidade, muitos ainda não aprenderam a priorizar atividades e, comportam-se como o malabarista de circo, colocando uma série de pratos sobre paus, e começa a rodá-lo sucessivamente, e ao mesmo tempo, coloca um novo prato em movimento, corre para o primeiro para que ele continue rodando, e não caia Quanto maior o número de prato rodando, maiores são os aplausos da platéia.

Qual devemos imitar? Maria por sua dedicação em aprender de Jesus, ou Marta que assoberbada de trabalho, irritava-se com “a esperteza de Maria”?

O testemunho de Maria nos leva a buscar uma vida de maior comunhão com Jesus, mas o testemunho de Marta nos leva a dar o devido valor às atividades que precisam ser feitas e são tidas como desnecessárias até que alguém precisa de algo.

Conscientemente, não quero imitar integralmente nem Maria nem Marta, mas na maioria das vezes, sou Marta e não Maria. E faço exatamente como ela, convoco, imponho para que todos também trabalhem comigo.

Todos querem usufruir de uma casa limpa, arrumada, uma alimentação equilibrada, roupas limpas e caprichadamente passadas a ferro, filhos bem cuidados, para que a família como um todo, não adoeça.

Claro! Que tal começarmos pela cozinha? Sabem aquele animal rasteiro, com patas e antenas, que se escondem dentro de armários, despensas, e pasmem, até em geladeiras? A BARATA! Onde há sujeira, há barata! E que tal, aquelas formiguinhas tão inofensivas? São campeãs em contaminar alimentos. Elas adoram bolos, doces, e tudo que for deixado em cima da mesa ou da pia. Olhem para uma geladeira, e vejam que nela pode ser encontrado um horror de bactérias que podem até matar. Vegetais, frutas, legumes, entre outros produtos que precisam ser lavados devidamente, e acondicionados da mesma forma, obedecendo a datas especificas conservação. Mas, a maioria dos familiares diz, “essa não é uma atividade que eu deva desempenhar, executar, fazer... porque não gosto, não sei fazer, sou homem, etc. Cada um dá a sua desculpa favorita.

Ah, o banheiro! Nossa, todos gostamos de entrar em um, e encontrá-lo limpo, asseado, cheiroso! Uma bacia sanitária não desinfetada é um perigo. Mãos indevidamente higienizadas que depois irão manusear e preparar os alimentos que serão comidos pela família, também é um perigo. Pode-se contrair desde uma simples “ascaris lombricóide” a uma salmonela, a sarna e, outras tantas coisas. Poderia continuar fazendo uma lista de atividades domésticas consideradas tarefas desprestigiadas, feitas por trabalhadores que não tiveram uma oportunidade de emprego melhor. Uma humilhação. É assim que você vê?

Um homem jamais deveria dizer para uma mulher que o seu trabalho pode ser deixado pra depois, que há outras prioridades como chegar à igreja no horário, para que toda a família não seja prejudicada com seu atraso, só para citar um exemplo. E sabem quantas queixas há de maridos e filhos por ai fora, porque suas esposas e mães vão para a igreja no domingo, e o almoço, que deveria ser o momento de confraternização em família, ou ao contrário, tudo fica a contento, mas não agradecem o trabalho enorme para tudo estar pronto? O homem deveria levar toda a família a trabalhar em conjunto para que todos possam usufruir igualmente do descanso, e de tantas outras atividades importantes.

Certa vez, disse em uma roda de crentes em um acampamento que, quem não tem coragem de limpar, não tem direito de sujar. Defendo a igualdade de direitos, de oportunidades, de possibilidades de escolha, sem exclusão. É tão interessante, a cena que já vivenciei em minha e na casa de outros irmãos na hora do almoço do domingo. Ao abrirem a porta de casa, a família antes unida pelo confinamento do carro, agora se espalha. A esposa vai para a cozinha. O marido vai para sala de estar, liga a TV, ou lê o jornal do dia, os filhos vão para o quarto, ligam o computador, ou ficam com o pai na sala esperando apenas ouvirem o chamado “o almoço está na mesa”. Terminado o almoço, todos se levantam e a mulher continua na cozinha, lavando, limpando e guardando as sobras, os pratos.

Ah, por favor, outros são tão compreensivos que dizem domingo a mulher não lava pratos, eles lavam os pratos, ou a família almoça fora. Os motivos são vários.

Lembrei de um texto extraído do livro A sujeição das mulheres, de Stuart Mill, publicado em 1869 na Inglaterra.

Todas as causas, sociais e naturais, se unem para tornar improvável uma revolta coletiva das mulheres contra o poder dos homens. Elas estão em uma posição tão diferente de todas as outras classes subjugadas, que seus senhores exigem algo mais do que seu serviço efetivo. Os homens não querem unicamente a obediência das mulheres; eles querem seus sentimentos. Todos os homens, exceto os mais brutais, desejam encontrar na mulher mais próxima deles, não uma escrava conquistada à força, mas uma escrava voluntária; não uma simples escrava, mas a favorita. Portanto, eles colocam tudo o que for possível em prática para escravizar suas mentes. Os senhores de todos os outros escravos contam com o medo para manter a obediência: ou o medo deles mesmos, ou o medo religioso. Os senhores de mulheres queriam mais do que simples obediência e eles usavam a força da educação para atingir seus propósitos.

Sem querer fugir do assunto, o que vocês acham desse texto? Não acredito de forma alguma que ele esteja ultrapassado. A família está em crise há muito tempo, os valores tem mudados ao longo dos séculos, lento, paulatino.

Então, há muitas Martas e Marias em todos os lares desse planeta. Usa-se a educação para tornar mais enfática a dominação. É necessário um equilíbrio, que só é alcançado com atitudes que visem o bem-estar da família. Família, o primeiro lugar em que se aprende a respeitar a individualidade do outro, mas onde se estabelece lugar de compartilhamento, de divisão proporcional de trabalho, de compreensão. Mas, saibam que às vezes é preciso ter-se o direito de ter o dia de “Maria”: não fazer nada, e apenas usufruir. Vamos instituir o dia de Maria. Não a rainha do lar, mas a trabalhadora que é digna de um dia de descanso, de lazer e de prazer. Toda trabalhadora é digna do seu trabalho e de descanso.