Velharias
Não saio mais com a freqüência que fazia há 10, 20 anos atrás. Não saio porque não quero, porque não sinto mais atração no que a noite tem a oferecer, ou sinto uma sensação de repetição nas aventuras noturnas. Nada é novidade, tudo é “requentado”. Também há as obrigações com meu filho de 5 anos, não só obrigações, mas também minha necessidade de estar com ele, de vê-lo, de brincar. Não sei, acho que tô ficando velho.
Não emito mais opiniões e tampouco assumo posições políticas. No passado de 10, 20 anos atrás, fazia questão de proclamar minha ideologia vermelha e um ateísmo radical e virulento. Defendia com paixão ardente minhas crenças (e descrenças), erguendo o punho em um brado revolucionário, de início socialista, e posteriormente anarquista. Lembro como se fosse hoje o orgulho e a alegria que me invadiam quando pregava na lapela de minhas camisetas a estrela vermelha do PT e broches com a estampa de Guevara e da foice e do martelo. Não sei, acho que estou ficando velho.
Hoje até me parece simpática a idéia de Deus, às vezes penso que seria a hora de fazer as pazes com Ele e pedir perdão pelas heresias ditas em manifestos anarquistas, ou em porres homéricos, cujos brindes eram feitos em homenagens aos homens grandes e corajosos, que teriam a coragem de encarar a finitude de frente e fazer graça das carolas e ratos e cupins de Bíblias e de portas de igrejas. Deve ser porque a morte vai ficando cada vez mais próxima, e depois que fiz minha primeira viagem de avião, descobri o quanto pode ser interessante a existência de um ser superior que nos protege e cujos desígnios são sempre justos. Não sei, devo estar ficando velho.
Não flerto e nem paquero como fazia há 10, 20 anos atrás. Não só porque tenho uma relação “estável”, mas também pelo fato de não ter nada mais a declarar. O que direi a uma mulher bela que porventura chame a minha atenção? Perguntar seu nome? O que faz? O que deseja fazer? Em quê trabalha? Também não tenho muito a acrescentar sobre mim mesmo. Sou um homem comum, não tenho carro, não gosto de dirigir, minha conta bancária não é lá grande coisa. Em verdade, todos estão interessados em sexo, mas para chegar até lá, homens e mulheres têm de ensaiar e repetir um ritual ridículo, cujos papéis são sabidos e decorados por machos e fêmeas, antes de chegar no que realmente interessa: a cópula. É claro que sinto tesão, mas paciência para mentir para as mulheres e acreditar nas mentiras por elas ditas, não tenho. Não sei, acho que estou ficando velho.
Não me exercito com a freqüência que fazia 10, 20 anos atrás. Começo a sentir dores pelo corpo, nas costas, nas pernas, nas juntas. Meu rosto vai se enchendo de rugas e a pele já apresenta os primeiros sinais de envelhecimento. Todo corpo vai se tornado flácido e os músculos, outrora rígidos e firmes, clamam por exercícios urgentes. As taxas de colesterol e açúcar no sangue sobem, o cigarro provoca cada vez deixa mais danos, visíveis na falta de fôlego e no cansaço quando acordo. Meu cabelo (ou o que ainda resta dele) e minha barba apresentam os primeiros fios brancos. Não sei, acho que estou ficando velho.
Não escrevo mais com a freqüência que fazia há 10, 20 anos atrás. Não sei, às vezes faltam palavras, noutras faltam temas, ou simplesmente não há papel e caneta. Não mais me invadem palavras, não sinto mais a paixão que me exijia a letra, o verbo. Outrora a poesia aflorava em mim, impulsionada pela indignação, pelo sentimento forte e vívido que o mundo e as paixões suscitavam em mim. Como amei... Como odiei... Como vivi no passado! Tudo com muita intensidade, muito calor, muita força. E as letras surgiam naturalmente, como tentativas de decifrar e dominar o animal que havia (e há) em mim. As metáforas eram os rugidos da fera inquieta que me habitava. Não sei, acho que estou ficando velho.