HÉTICA NA POLÍTICA?

“Jabuti trepado no galho do pau ou foi enchente ou coisa de gente”. Brocardo popular

Não, caríssimo leitor, não se trata de insulto à gramática (mais especificamente à ortografia) nem há, tampouco, inconsistência no título deste artigo. Ao revés, há toda correção e propriedade, como já se verá.

Há em Medicina um estado mórbido ocorrente nas doenças ditas consuntivas (que consomem) tais como a tuberculose, a SIDA (AIDS) e certos cânceres, caracterizado pelo lento, progressivo e, quase sempre, inexorável depauperamento orgânico, que se faz acompanhar, via de regra, de febre não muito elevada, mas contínua (às vezes intermitente), que acabam por levar o enfermo à caquexia (desnutrição e fraqueza extremas) e, subsequentemente, ao decesso. Um trânsito lento, mas indetenível para o fim. A esse quadro mórbido os médicos chamamos hética (forma paralela: héctica), que nada tem a ver, portanto, com o aspecto ligado à moral e bons costumes.

Quadro muito parecido com o acima descrito está a ocorrer com o nosso Congresso Nacional, em especial com o Senado Federal, por força de ações nada éticas (aqui sim, sem o h inicial) dos homens escolhidos pelo povo para representá-lo. E a coisa vem já de há um tempo, num crescendo preocupante, ininterrupto, maléfico. Senão, vejamos!

Tivemos primeiro “os anões do orçamento”, episódio que sacudiu o País pelo inusitado da coisa e deixou pasmado o povo brasileiro “por fato nunca dantes vivenciado”, a parafrasear – insulsa pretensão!– o velho, mas sempre atual e excelso, Camões. Mudados os atores, pensava-se estar a casa do povo saneada, mas o que se viu é que outras malfeituras de menor retumbância (ou ressonância) se seguiram, até que, para espanto geral da Nação, veio a lume o sarcasticamente assim chamado “mensalão”, cujo desdobramento segue-se com o indiciamento de 40 implicados que, segundo a rotulagem jurídica, formavam “bando ou quadrilha”. Ali, babau! – não se apresentou o chefe.

De permeio eclodiu troante o imbroglio do “mensalinho” – lembram-se? – que redundou na renúncia do presidente da câmara dos deputados (marcado pela baixa estatura, corporal e moral, do resignante). Realmente pra lamentar a quebra de decoro parlamentar.

Mais proximamente a absolvição do presidente do Senado Federal, acusado de quebra de decoro (aqui talvez coubesse melhor de couro) parlamentar. Pra lamentar, uma vez mais. E veja-se que a relatoria da Comissão de Ética (sem h) da casa recomendava a cassação de Sua Ex.ª. A sessão plenária absolvitória deu-se de forma secreta, com voto secreto, desligamento dos meios de comunicação do plenário, incluindo computadores e telefones, proibição da entrada de quaisquer pessoas que não os DD. senadores, do uso de celulares, vedada igualmente a entrada de “laptops” e outros que tais. Imprensa? Nem pensar. O resultado da sessão, como não poderia deixar de ser, deixou o povo brasileiro afônico, atônito, catatônico.

Essa perplexidade do povaréu deveu-se não simplesmente à absolvição do presidente da câmara alta do Congresso, apanhado no cometimento de atos atentatórios ao decoro parlamentar, mas pelo fato de que a indulgência lhe foi garantida por uma conjuração partidária que compõe a chamada “base aliada” de apoio ao governo, partidos tais que até pouco tempo atrás se diziam arautos da “ética na política” e defensores intransigentes e incorruptíveis da moral e dos bons costumes. Atualmente, encarapitados nos altos escalões do poder e donatários de alguns milhares de cargos “de confiança” do segundo e terceiro escalão da administração, que garantem votos e voz, fizeram-se moucos e míopes. E já está aí, em franca urdidura e a provocar “fortes emoções”, o processo do “mensalão mineiro”, cujo idealizador e articulador já estão todos “carecas” de saber, igualmente calcado no inovador processo de utilização de “recursos financeiros não-contabilizados”, nosso velho e conhecido “caixa 2”, para o financiamento de campanhas de políticos aspirantes a cargos eletivos, em Minas Gerais.

A seguir a megabomba estourou com potência máxima representada pelo intrincado e nebuloso uso dos cartões corporativos, cujas CPIs não conseguem deslindar as maracutaias que são apontadas (até tapioquinha se comprou com eles por uns “dez réis de mel coado”). Uma sugestão: quem sabe recorrendo a uma boa cartomante...? Ah! E temos um castelo pelo meio, que não é o do Drácula, na mesma linha de “safanagem” de “As conchambranças do Quaderna” (peça do Ariano Suassuna).

Depois dessas falsetas fala-se, com crescente insistência, na extinção pura e simples do Senado, coisa que, se concretizada, poderá vir a ser – nunca se sabe! – o estopim para a elisão do Congresso. Vôte, cobra-d’água! Como dizemos os parauaras.

Reflita, caro leitor, estamos ou não diante de um quadro galopante e patognomônico (específico de uma doença) de hética na política?

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(*) Médico e escritor. SOBRAMES/ABRAMES

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 20/02/2009
Reeditado em 21/02/2009
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