ABENÇOADA INGRATIDÃO!

Num dia desses, eu havia terminado uma aula e fiquei conversando com alguns alunos no intervalo, como é comum acontecer. Falávamos de generalidades, até que um deles, a propósito de qualquer coisa que eu dissera, fez-me uma pergunta engraçada:

—Professor, você se arrepende de alguma coisa que já fez na vida?

Respondi que somente um tolo ou alguém muito imaturo lhe diria que não. Toda pessoa comete erros na vida. E quem amadurece, adquire, naturalmente, a consciência dos erros que cometeu.

Acrescentei, porém, que se não é dado a nenhum ser humano o atributo da infalibilidade, temos todos, como compensação, a valiosa possibilidade de sempre aprendermos alguma coisa com os nossos erros. E que Isto contribui, de forma significativa, para o nosso amadurecimento.

Concluí dizendo que, tão certo quanto o fato de que eu tenho cometido erros ao longo de minha vida, é que, com eles, aprendi coisas muito importantes para mim.

Foi aí que uma aluna me provocou:

— Pois então diga uma coisa que você fez e da qual depois se arrependeu.

Achei graça daquela forma meio indiscreta com que aquela quase adolescente me fez uma pergunta tão pessoal. Mas revirando os “papéis da minha lembrança”, eu não tive nenhuma dificuldade em encontrar o exemplo que ela queria.

Eu me arrependo, por exemplo, do que fiz, quando ainda morava com os meus pais, embora tivesse o meu próprio trabalho e até o meu carro — o que significa dizer, alguma independência — quando eu saia de casa, numa noite de sábado. Passei pela minha mãe que estava na sala e, já na porta, eu disse um “tchau” meio apressado, quando ela falou para mim:

— Volte cedo, meu filho...

Do alto da minha imaturidade de então, fiquei meio impaciente, com a sensação de que a minha mãe estava querendo regular a minha vida, o que não cabia mais, naquela altura das coisas. E aí, com um certo tom de irritação, eu perguntei aquela bobagem:

— E porque eu deveria voltar cedo?

— Por nada, meu filho... Foi a resposta. Estou apenas tentando lhe dizer que eu me preocupo, quando você sai e volta tarde...

Guardei para sempre aquela cena, achando que eu tinha sido desnecessariamente desatencioso com a minha mãe. Mas levei muitos anos até compreender o verdadeiro peso, o verdadeiro significado da coisa estúpida que eu dissera. Foi quando eu, realmente, me arrependi.

O problema é que ninguém consegue compreender toda a complexidade da relação que existe entre os pais e os filhos, sem ter vivido os dois lados de uma relação como essa. É por isto que, muito freqüentemente, as pessoas mais velhas experimentam aquela sensação de tempo perdido, de oportunidade perdida, de desperdício de amor, quando se lembram dos seus pais que já se foram.

Mas estou absolutamente seguro de que, na maior parte das vezes, certas coisas que os filhos fazem ou dizem — e que nos magoam tanto — não são o simples produto de sua determinação em nos ferir ou de menosprezar o nossos motivos, as nossas angústias e preocupações. São o resultado da mais pura ignorância sobre como se sente um pai ou uma mãe, diante da vinda e da vida de um filho.

Eles não sabem o que é angustiar-se pelo futuro deles. O que é perder o sono no meio da noite, porque já é muito tarde e eles ainda não voltaram. O que é levantar e ir até o quarto deles, para ver se estão cobertos ou se a febre já diminuiu. O que é compartilhar do seu sofrimento, pelos namoros que não começam e pelos que terminam.

Por isto e por outras tantas coisas é que, às vezes, os filhos parecem ser tão ingratos. Abençoada ingratidão! Porque significa que os nossos filhos ainda não experimentaram todas as dores do mundo...