QUANDO MEU PAI ABANDONOU A SUA MULHER AOS OITENTA ANOS.

Eu tinha me separado não fazia muito tempo, e morava num pequeno apartamento, e como muitos, nestes casos, com uma vida toda irregular, trocando a noite pelo dia, quando de repente, num começo de noite, o meu pai já perto dos seus oitenta anos, me ligou:

Ô mito (me chamava assim) você não tem um canto para eu ir morar aí com você? Aqui não está bom para mim!

E eu falei: Oh pai, aqui também está tudo complicado e você não vai se acostumar a morar em apartamento.

O velho comentou que a sua segunda mulher, vinte anos mais nova que ele e a filha, que já estava com vinte anos, não o estavam tratando muito bem. Ele estava com 80 anos.

O meu pai, depois desta ligação, ligou também para uma outra irmã minha, que eventualmente teria também condições de acolhê-lo. Mas ela também comentou que seria difícil devido à diversos motivos e que seria melhor mesmo, para ele, ir se segurando por lá, pelo menos por enquanto.

Conversei com ela, trocamos algumas idéias, mas chegamos à conclusão e comentamos depois com ele, que embora estivessem judiando um pouco dele, ainda seria, mesmo assim, a melhor opção, pois lá, de uma forma ou de outra, ele tinha seus amigos, podia andar na rua, etc.

Não imaginávamos aqui de Curitiba, ele morava perto de Florianópolis, que a barra estivesse tão ruim para ele, ou até poderíamos pensar, mas naquele momento não tínhamos uma solução que fosse mais aconselhável.

Até que um dia um meu ex-cunhado, que se dava muito bem com o velho, e que estava morando sozinho e trabalhando no litoral paranaense, me ligou:

Ô mito, o teu pai está aqui. Veio morar comigo.

Não acredito..

É ele me ligou, disse que não morava mais com aquelas duas ‘jararacas’ e perguntou se eu não podia ir busca-lo no sábado de manhã. E eu fui.

E chegando lá, o Seu Raul já estava na frente da casa com a mala pronta me aguardando e eu o trouxe para cá.

Demos algumas risadas no telefone e eu fui lá visita-los.

Chegando lá o velho estava sossegado, curtindo a sua liberdade. Tinha achado uma solução. O que ele não queria mais era ficar com as ‘jararacas’.

Ficamos aliviados eu e a minha irmã. pois, afinal, o velho sozinho tinha arranjado uma solução melhor.

‘Vou depositar os trinta e três por cento da minha aposentadoria para elas, que é de direito, e lá não ponho mais os pés’.

E assim foi passando os meses.

Quando eis que as ‘jararacas’ começaram a fazer a corte, já que o dinheiro que recebiam não era suficinte. e consultanto um advogado o mesmo disse que ele estava depositando o correto.

Primeiro pelo telefone e aí vinham de conversa:
Ah paizinho volta! E o meu velho: Aqui Ó! e fazia o sinal com o braço.
E a mulher: Ah Raulzinho volta! E o meu velho: Aqui Ó, para ai não volto mais.

Até que um belo dia veio pessoalmente a própria filha choramingando, mas não adiantou, o pai não caiu nas choramelas. Não senhora, para lá não volto, pode dizer para a tua mãe.

Mas o coração do velho já estava começando a amolecer, devido à falta do convívio com os amigos, os passeios. E o meu ex-cunhado ia trabalhar e ele ficava sozinho o dia inteiro, conhecia poucas pessoas, não tinha muito para onde ir, não conhecia ninguém no postinho de saúde..

Aí a minha irmã, genialmente, deu uma jogada de mestre.

Agindo como se tivesse participado da vinda dele para cá, deu o 'xeque mate', quando a mulher dele esteve aqui.

Minha senhora! O pai pode até voltar para lá, mas a senhora não vai mais maltratá-lo, a sra. vai ter que tratá-lo como se fosse a empregada dele, pois se ele voltar a nos ligar reclamando, nós vamos ai e o trazemos de volta definitivamente.

Mas se o tratarem bem, nos daqui abriremos mão de qualquer direito que possamos ter ai e quando ele morrer, a Senhora ficará com a pensão integral. Tudo bem? 

E o meu velho voltou para lá!

E eu ligava para ele e perguntava:
E ai pai, como é que está a vida, como é que estão te tratando ?

Ô mito, está muito bom aqui, a vida se ajustou e eu estou sendo muito bem tratado aqui, você precisa ver.

Agora posso ver meus programas sossegados, ler os meus livros, o jornal, a novela... , ninguém me atrapalha mais em nada. Tenho um canto só meu e ninguém mais mexe. Agora está tudo bem! Nunca foi tão bom e elas estão muito gentís, me tratando na palma da mão, fazendo tudo o que eu preciso.

E assim o meu velho, que nunca foi de se entregar, viveu feliz e contente os seus últimos sete anos de vida, na maior paz e harmonia.

E quando a minha tia, irmã dele,  esteve lá no hospital o visitando, depois que ele teve um mal súbito e ainda estava meio inconsciente, falou as seguintes palavras, segundo quem estava presente..

"...É Raul, quando a gente, naquela época, não podia ajudar, você é que sempre mandava todo mês algum dinheiro para nós cuidarmos da nossa mãe."

"Você sempre foi um homem bom, Raul!"

Eu acho que o meu pai, com aquele coração maneiro que ele tinha, e que poucos dos meus irmãos conheceu, ficou tão emocionado que este afago anímico o desligou daqui para a continuação da vida no outro lado, mas não sem antes ter dado um corridão no padre e nas freiras que queriam lhe dar a extremunção, dizendo que entendia mais da vida e da morte do que todos eles juntos, mas isto ai já é outra história.


"Não é o lugar em que nos encontramos nem as exterioridades que tornam as pessoas felizes; a felicidade provém do íntimo, daquilo que o ser humano sente dentro de si mesmo” Roselis V Sass (graal.org.br)