QUANDO EU FUI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Não me canso de dizer que o passar do tempo em nada afetou a minha paixão pelo magistério. Gosto de conviver com os jovens e com eles — na sua irreverência e na sua espontaneidade — renovo, todos os dias, o meu senso de humor, que utilizo como um dos instrumentos mais importantes, para o prazer que sinto em minha atividade como professor.

De algum modo isto se deve, também, às lembranças dos meus dias de estudante (que vivi intensamente), uma parte dos quais, morando fora de casa e longe da família. É uma experiência inesquecível que, às vezes, impõe sacrifícios e privações; mas garante, a quem passa por ela, uma têmpera e uma capacidade de enfrentar sozinho os problemas, que costuma ser proveitosa para o resto da vida.

Agora, se além de viver longe de casa, o feliz estudante tem ou teve a oportunidade de morar numa “república de estudantes”, então (quando este tempo for passado e ele se lembrar dessa maravilhosa experiência) saberá que conheceu o paraíso e que, por alguns momentos, viu a face de Deus. Porque esta é uma experiência inesquecível.

Viver num desses “acampamentos”, que costumam ser as chamadas repúblicas, faz a moçada aprender muitas coisas, inclusive a solidariedade e o espírito coletivo, já que a tendência natural do jovem é ser individualista. E aí é que se aprende, muitas vezes, a valorizar a própria família e a ser tolerante com os outros.

Digo isto por experiência própria, porque vivi algum tempo numa dessas “casas de tolerância”, com licença da expressão de duplo sentido. E, até mesmo, cheguei a exercer, por alguns períodos, a administração daquela residência coletiva, desempenhando uma função que nós chamávamos, pomposamente, de presidência da república.

O presidente da república, neste caso, não viajava por conta da galera, tinha de explicar — ao final de cada mês — as despesas que fizera com o dinheiro de todos. Pagava as suas próprias contas, não tinha qualquer regalia. Trabalhava e se aborrecia mais do que todo mundo. Portanto, nunca nenhum de nós queria ser reeleito para a espinhosa função.

O nosso regime político era, na prática, o mais democrático que já conheci. Ninguém se utilizava de medidas provisórias (as decisões eram sempre definitivas) e o princípio era muito simples: a vontade da maioria era a vontade de todos. Sem acordo de lideranças.

Dito assim, deste jeito, parece que em nossa sociedade republicana reinava sempre a mais perfeita ordem. Pura ilusão! Nós tínhamos brigas monumentais que, ouvidas a uma certa distância, davam a impressão de que o mundo estava por se acabar. Dificilmente, íamos às vias de fato (o que, aqui e ali, também acontecia). Mas grito e palavrão não faltavam prá ninguém. Além, é evidente, das guerras de água, cubos de gelo e objetos pessoais, com que, normalmente, se encerravam as desavenças entre nós.

Apesar do que, no dia seguinte ou, no máximo, alguns dias depois, estávamos todos rindo e conversando outra vez. Normalmente, não se guardavam mágoas. E em raras ocasiões essas brigas deixaram cicatrizes mais profundas.

De vez em quando, pelos caminhos da vida, eu reencontro um “colega republicano”. Falamos um pouco daquilo que somos hoje, mas o inevitável é conversarmos sobre as situações mais divertidas ou mais inusitadas, que um dia vivemos juntos, como personagens de uma mesma história.

Depois, quando nos despedimos, sempre prometemos um ao outro que vamos retomar esse contato, que voltaremos a nos ver em breve e com mais frequência. O que, certamente, nunca acontece.

Aquilo sim, é que foi uma época feliz! E o que ficou dela, creio que em todos nós, foi uma saudade imensa desse tempo que passou. Para dizer com franqueza, às vezes sinto saudades, até mesmo, daquelas ocasiões em que — contra a minha vontade, mas democraticamente — eu fui eleito presidente da república.