POBRE CORAÇÃO DE ESTUDANTE!

Aluno é sempre aluno, não importando em que época ou década tenha frequentado os bancos escolares. É certo que a relação entre eles e os professores tem estado muito mais descontraída e informal, de uns anos para cá. Em alguns casos, até demais! Mas o fato é que o espírito de estudante é e sempre foi o mesmo.

Às vezes, fico espantado ao viver, como professor, situações tão semelhantes a coisas que me aconteceram ou que vi acontecerem, quando ainda era um aluno, que tenho, por instantes, a sensação de que o tempo não passou. Ou me lembro de uma frase que a minha bisavó, um tanto avançada para o seu tempo, costumava repetir:

— Na minha época, dizia ela, fazíamos tudo o que vocês fazem hoje; só que com mais hipocrisia...

Acho que esta é a chave da compreensão. Os alunos continuam a ter o mesmo espírito, como se isto fosse uma coisa atávica, transmitida de geração a geração. Continuam a fazer o que sempre fizeram e a agir como sempre agiram. Só que com menos hipocrisia.

Aluno continua a ser ótimo em inventar apelido para todo mundo, em imitar o jeito e os cacoetes dos professores e em mentir, com a maior falta de cerimônia, para se desculpar do exercício que não fez ou da pesquisa que não aprontou no prazo certo.

Copiar um trabalho todinho de um ou mais livros, com a esperança de que o desatento professor fosse dar a nota apenas pela capa e pelo número de páginas, era coisa comum para a minha e para outras gerações de estudantes. E continuam a fazer a mesma coisa... Só que, agora, copiam da Internet. Ou seja, é a mesma pouca vergonha, com muito mais tecnologia.

E aquela insuportável mania de copiar a matéria de uma disciplina na aula de outra? Isto é coisa que qualquer docente odeia, mas não há quem consiga impedir aos alunos de fazerem. Você reclama com o copista numa aula e ele fecha o caderno, com a cara de quem não entende a sua intransigência. Pois na próxima aula, lá está ele fazendo cópia de matéria atrasada outra vez. E se não for o mesmo aluno, será outro qualquer.

Tem também aquele tipo “Rolando Lero”, que passa o ano letivo todo querendo levar o professor “no bico”. Falta prá caramba, requer segunda chamada das provas em quase todos os bimestres e está sempre enfrentando uns problemas excepcionais, para justificar a sua péssima frequência e desempenho. Tive uma aluna que, num só semestre letivo, separou os pais, sofreu ameaça de sequestro — o que a impedia de ir à aula, segundo a sua justificativa — estava sendo perseguida por um ex-namorado e o marido da vizinha ainda tentava seduzi-la... É possível acreditar em tanta desgraça junta?

Ainda tem uma espécie de aluno que não deixa nenhum professor exatamente feliz. É o tipo “Não tô nem aí”, que assiste às aulas com aquela cara de quem está pensando: não preciso desta droga para o curso que vou fazer!

Esta espécie de aluno está dividida em duas categorias: os que acham que não precisam da disciplina, mas, por terem facilidade com o assunto, conseguem passar sem maiores problemas. E os que acham que não precisam, mas não têm a mínima facilidade e, já no mês de novembro, percebendo que a reprovação é iminente, tentam consertar as coisas, fazendo-se de vítimas da vida, tal como aquele “Rolando Lero”, lá de cima.

Cá prá nós, é nesta hora que alguns professores sucumbem à tentação de ir à forra da indiferença discente, que precisaram suportar o ano inteiro. Que coisa mais feia!

Quanto à disciplina... Isto realmente mudou muito! Já não há mais tanto rigor e formalismo na relação dos alunos com a escola e com os professores ou funcionários, como havia noutros tempos. E confesso que, neste aspecto, considero a mudança um fato muito positivo. Porque o que havia na minha época, por exemplo, era menos que respeito: era temor.

Como educador, não posso compreender que um estudante deva sentir temor pela escola em que estuda ou pelos seus professores. Se alguém se exceder, deve haver um regulamento adequado para sancioná-lo. Mas as relações do dia a dia, entre discentes e docentes, não pode estar pautada por este tipo de sentimento.

Mas o passar dos anos não apagou das minhas lembranças a sensação de medo que nós tínhamos, quando éramos flagrados numa falta disciplinar. Parecia que o mundo todo iria desabar na cabeça da gente, porque a possibilidade de chegar com uma suspensão em casa, era a certeza de que teríamos de enfrentar outros castigos e punições, no plano familiar.

Por isto, como qualquer aluno que se preza, quando a gente se via na aflitiva situação, tentava apelar para a comiseração do Chefe de Disciplina. Que, via de regra, era uma besta quadrada, que não tinha comiseração nenhuma e nem conhecia o significado desta palavra. Pois ainda confirmava a sentença de morte, para o pobre condenado, com uma expressão de alegria estampada no rosto:

— Vou lhe dar três dias de descanso, moço!

Era como uma facada no coração. Até o Anjo da Guarda sentia a estocada! Era a morte antes da própria execução!

Pois foi numa dessas que o meu irmão, em desespero, tentou um último recurso, dizendo para a cavalgadura que o sentenciava:

— Se o senhor me suspender, eu me jogo da ponte, quando for para casa!

De nada adiantou, pois o Chefe de Disciplina não se comoveu com a ameaça e ainda fez pouco do “provável suicida”:

— Pois então, moço, pule do lado esquerdo da ponte, onde o rio tem mais pedra e você morre mais depressa.

Como sofria, naquele tempo, um pobre coração de estudante!