Aprendendo com os cupins*

Fazíamos o último ano do hoje Ensino Fundamental, quando Domingão, professor de Língua Portuguesa e Literatura, apresentou-nos uma daquelas questões que tanto intrigam os escolares: “Queridos, qual é mesmo o feminino de cupim?” Por um bom tempo, entregamo-nos a pesquisas. Ele nada dizia. Nós queríamos a resposta. Ele nunca nos forneceu nenhuma pista. Tivemos de descobrir a resposta por nós mesmos.

Outro dia me lembrei desse episódio ao mudar de residência. A nova casa que me acolheu apresentou a anomalia de ter rastros e “viadutos” de cupins na parte externa das paredes. Desde então, os cupins e eu estamos em uma briga de gato e rato: eu passo a vassoura sobre seus rastros e destruo seus viadutos; eles os reconstroem em questão de horas.

O que me intriga nesse caso é a disciplina, a persistência e a constância com que aqueles pequenos animaizinhos se aferram à própria tarefa. Claro! Eles não transcendem a programação instintiva de que são presas. Praticam uma inteligência concreta que faz com que eles vivam colados à matéria e a ela limitados. Ademais, eles não fazem nada de diferente: todos os dias é a mesma trilha, feito o caminho tipo um viaduto, o que eles constroem, e se protegem em seu interior para irem de um lugar para outro. O raio de sol é aparado. O pingo da chuva é barrado. Eles, sempre os mesmos, ficam resguardados.

Os humanos nunca somos uma mesmice sempre repetida, uniforme e linear. Ao contrário dos cupins, temos a potência para criar o novo e o diferente. Basta ver como cada ser humano personaliza a própria moradia, singularizando-a conforme o que lhe parece melhor e mais bem apropriado. E fazemos isso porque, contrariamente aos cupins, temos uma inteligência simbólica, cujas plasticidade e flexibilidade nos colocam a anos-luz à frente dos cupins. Sim, nós transcendemos e vamos além de nossa condição estritamente biológico-material. Não nos limitamos ao instinto, à cega lei da programação biológica. Somos conscientes. Sabemos que sabemos e sabemos que sabemos que não sabemos. Podemos inventar significados para as coisas, sentido para o real, direção para nossas ações, valor à vida, à existência e a tudo o mais que nos diz respeito. Iguais porque portadores de uma mesma potência que é a inteligência abstrata, os humanos somos diferentes entre nós mesmos e até intra nós próprios na vivência dessa mesma inteligência.

Se, então, podemos dizer que dispomos de recursos muito mais sofisticados do que os animaizinhos que me infernizam lá na minha atual residência, o que podemos aprender dos cupins? Deles podemos extrair, ao nosso modo, as lições de disciplina, persistência e constância verificadas no modo de ser que experimentam e empregá-las em nossa vida.

Precisamos de disciplina para não nos afrouxarmos em face de nossas

necessidades, projetos, desejos e sonhos pessoais, profissionais e sociais.

Carecemos de persistência para não abandonarmos nossos processos de desenvolvimento pessoal, profissional e social pelas metades, posto que o que interessa é concluí-los, e a nosso favor. Não podemos abrir mão do senso de constância, essa nossa duração no propósito que requer de nós o entendimento de que é superando fases, às vezes difíceis, que construímos nosso êxito particular, produtivo e societário.

Oxalá aprendêssemos essas lições ministradas pelos os cupins! – ainda que, muitas vezes, intriguem-nos as questiúnculas da existência, parecidas com aquela com a qual Domingão nos infernizava na escola, querendo de nós a resposta exata para a pergunta sobre qual seria mesmo o feminino de cupim.

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*Crônica publicada no Diário da Manhã (DM Revista, p. 07), dia 24/02/2009.