MEMÓRIAS DE UM MENOR INFRATOR

-Tá na hora de pegar o beco cumpadi,vai rolar o terror!!!!!

-Nãããããããoooo!!!!!!!

Quando nasci,minha presença foi insignificante na vida dos que me rodeavam.Eu fui um vacilo daquela que chamei de mãe por pouco tempo,pois o mundo seria a minha verdadeira mãe e me ensinaria a me defender das presas da vida.Tive uma primeira infância difícil,pois faltava tudo em casa,mas isso não é desculpa pro que mais tarde você vai saber.O fato é que morar na periferia é esperar por milagres,lá falta tudo mesmo.De vez em quando uma consciência pesa e vai por lá fazer uma caridade.É assim que me sentia e muitos dos meus chegados não sabiam o que fazer da vida.O lero-lero da família é bom mais nós queríamos muito mais do que eles podiam oferecer.Escola conheci por pouco tempo,mal sei ler e escrever só o que preciso pra não ser chamado de analfabeto.Uma vez ouvi dizer que aqui havia milhares de analfabetos-funcionais,nem sei o que isso quer dizer,deve ser uma nova categoria.Analfabeto total eu não sou,acho que me encaixo nessa aí.

Estar num grupo é fazer o que a galera determina ou então você tá fora.Minha turma começou no colégio,a gente num tava nem aí pra estudar ,pois sabíamos que o futuro é a morte,sei que isso num cola muito,mas vida sacrificada tem seus momentos de desespero e numa dessas o cara abre geral e parte pro crime.Cada um tem sua istória e a minha não é diferente das que eu ouço por aí.Meu grupo fazia barbaridade na escola e quem dedurasse sabia das consequências.O mais violento era o Espinha,o cara num perdoava nem a mãe dele,surrava geral mesmo.Não sei como ficou forte fisicamente pois o rango comum da gente num dava pra tanto.Acho que é a natureza de cada um.O Cebola era uma cara atrevido com as minas,forçava a barra e sempre pegava na marra mesmo e nós como tava junto partilhava da xota que ele traçava à força.Essas minas ficam dando mole e depois culpam a gente,qualé a delas?Eu,o Doutor,pois adorava fazer experiências com as pessoas.Fazia maldade só pra ver o cara fazer careta.A gente vivia de boa,pois menor tem seus direitos e os caras nos defendem mesmo.Não sou um criminoso,sou um menor infrator,é tanto direito que a gente aproveita e cai mesmo pra cima dos manés.Já fui algumas vezes detido nessas casas de menor infrator,meus camardas também batiam ponto lá.Quando a gente tava junto os grupos rivais evitavam se aproximar,éramos reis do pedaço.

Esse lance de consciência não era a minha praia,as tias bem que tentavam,mas tavam por fora.Quem nasceu pra cavalo,nunca chega a cavaleiro,assim dizia um senhor que conheci num dos arroxos que fazíamos.De vez em quando a galera descia o morro em busca de arame pra comprar farinha.Cada um de nós tinha um berro maneiro.Já coloquei muita gente no inferno e sempre que podia encomendava mais almas para o capeta.Matar é bom demais,num acontece nada com a gente e nós sabemos das leis do menor e nem chegamos perto dos caras que fazem essas leis,eles são os nossos protetores e protetores a gente protege num deixando nada acontecer com eles nem com a família deles.Vivas a esses caras.Facilitaram nossas vidas.Às vezes é bom te um cantinho pra dormir e o lar do menor serve pra isso,esse papo de reeducar é conversa pra boi dormir.Só se for pra criminalidade,lá é nossa faculdade do crime,fiquei sabendo de mais paradas lá dentro do que fora,de vez em quando tem uma rebeliãozinha,mas fazer o quê o bicho homem adora poder e que quer poder tem que brigar pra valer.Um amigo do Espinha que tinha mais de vinte anos,caiu na sinuca dos vermes e foi pro presídio,ele disse que lá a gente faz é doutorado no crime.

A luz no fim do túnel,comecei a ver quando a gente se armou pra assaltar um banco,eu com treze anos tinha muita história de crime nas costas,era um bebê em relação ao Cebola e ao Espinha.O lance tinha a colaboração de um funcionário que foi forçado a fazer isso,a gente tava com a mulher e a filha de doze anos,a mulher nós traçamos e iríamos partir pra filha se ele não colaborasse,foi moleza.Foi nessa parada que a luz não parava de piscar,a gente contou com mais quatro pra que tudo desse certo.O alarme foi desativado e pegamos o quanto podíamos carregar,era muita grana,haja liga pra tanto.Foi aí que o negócio começou a melar,os convidados pra ajudar a gente na parada,tiveram a idéia de ganhar em cima da gente.Sujou geral,na partilha da grana o desentendimento começou,eles queriam mais do foi combinado e combinado num sai caro.O Espinha,levou três na cara,o Cebola levou dois com ele e eu fechei os olhos e num vi mais nada.Agora fico nessa de reviver cada passo de minha longa-curta vida.A vida é assim mesmo às vezes a gente ganha e às vezes perde,pois é perdi feio.

LÉO VINCEY
Enviado por LÉO VINCEY em 24/02/2009
Código do texto: T1455231
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