De lealdades e vida

DE LEALDADES E VIDA

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 25.02.2009)

Durante a primeira campanha vitoriosa de Lula, José Alencar, seu candidato a vice-presidente, esteve em visita oficial na FIESC, a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina. Começou a conversa corrigindo um interlocutor: "Não, José de Alencar é o grande escritor brasileiro, meu nome é apenas José Alencar." E acrescentou, apesar de desnecessário: "Sem o 'de'."

Contou sua história: garoto pobre que se tornou um industrial de sucesso, várias empre-sas administradas com competência pelos filhos, o que lhe permitia dedicar-se a um projeto no qual acreditava. Contou a história de Lula: garoto pobre que se tornou um operário de su-cesso, líder sindical na luta contra a ditadura militar, o que o habilitava à Presidência da Re-pública.

Naquele dia, falando aos seus pares catarinenses em presença da imprensa, converteu em votos favoráveis muitas intenções contrárias ao atual presidente, reeleito há dois anos para o segundo governo.

A lealdade de Alencar a Lula se traduz pelo seu continuado entusiasmo com o plano de governo do presidente e, especialmente, pelas críticas públicas - e respeitosas, centradas em ideias e princípios - às taxas de juros definidas pelo Banco Central. A lealdade de Lula a A-lencar fica explícita no convite ao vice para permanecer no cargo num eventual segundo mandato, apesar das suas atribulações com um câncer que jamais foi subtraído à opinião pú-blica, e, em especial, pelas transições de comando entre os dois, tão suaves que sequer che-gam a ser notícia.

O câncer, aliás, tem servido como marca de resistência desse homem de 77 anos. A ca-da exame, a cada quimioterapia, a cada cirurgia, a cada internação hospitalar emerge um José Alencar sorridente, otimista e confiante: ele sabe que a vida só tem fim quando acaba.

Ainda agora, depois de retirar diversos tumores do abdômen, ao sair de quase um mês de hospitalização ele aparece de terno, gravata e cadeira de rodas em entrevista coletiva e afirma, com a convicção de quem tem passado bem perto da fronteira com o outro lado:

- Peço a Deus que não me dê nenhum dia de vida a mais se eu não puder me orgulhar desse dia de vida.

Para ele, está claro, a vida acaba quando o ser humano se torna um vegetal irreversível ou se reduz a um idiota, destituído de consciência e livre-arbítrio.

Terminada a conversa com a imprensa, José Alencar saiu do hospital caminhando.

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Pai sem Computador", novela juvenil, Atual Editora, São Paulo)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 25/02/2009
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