E O MERITÍSSIMO ESTAVA COM A RAZÃO!

Um colega advogado contou-me a história de um processo, no qual atuou como profissional no interior do Paraná, que, sendo inteiramente verdadeira — do que eu não tenho nenhum motivo para duvidar — haverá de ter sido hilária.

Fazendo uma verificação numa empresa de clientes seus, a Receita Federal encontrou, por lá, uns equipamentos de origem estrangeira, cujas notas fiscais de importação, por desorganização ou por qualquer outro motivo, solicitadas pelos auditores do Tesouro Nacional, não puderam ser apresentadas a eles.

Recurso prá lá, prazo prá cá, a Delegacia da Receita naquela área acabou determinando, por Portaria, o “perdimento dos bens”, que totalizavam, segundo a avaliação dos próprios auditores, algo em torno de uns quinze mil reais.

Mas como a situação, independente do valor envolvido, configurava o crime de descaminho, a DRF no Paraná comunicou o fato ao Ministério Público Federal naquela comarca e o Procurador, sem muito interesse no caso, apresentou a denúncia à Justiça, para que os responsáveis fossem processados e punidos.

Num país onde a corrupção corre solta nos três Poderes da República e no qual administradores de todas as esferas são apanhados com dólares na cueca ou em algum paraíso fiscal e ninguém é punido, além das fraudes de toda ordem com verbas e programas públicos, onde os “escândalos financeiros” se sucedem, sem que ninguém pareça muito preocupado em punir os responsáveis, uma coisa dessas não poderia “passar em branco” para a Justiça, não é mesmo? Afinal de contas, quinze mil reais são quinze mil reais! Mesmo depois que a empresa já perdeu as mercadorias.

E assim, o Procurador da República, provocado pela Receita Federal, tinha de agir, embora não estivesse com a mínima disposição para isto. Então, para facilitar o seu trabalho, denunciou todos os sócios da empresa, sem se importar se alguns eram só investidores ou se tinham participação objetiva na administração da mesma.

“Mandou chumbo” na moçada toda, sem tipificar aquilo que se chama, em Direito Penal, de a conduta criminosa de cada um deles. Cá prá nós, uma “titica” de denúncia, ou denúncia inepta, como dizem os especialistas; isto é, sem os requisitos legais necessários para levar os denunciados a uma condenação.

Aproveitando-se disto, os réus fizeram suas respectivas defesas, insinuando que a compra daqueles equipamentos havia sido feita na época em que a empresa era, ainda, administrada por um gerente contratado. O qual havia, posteriormente, vindo a falecer num acidente de carro. E como dizia a minha mãe, “morto não pode se defender”.

O juiz, embora irritadíssimo, teve de absolver a totalidade dos réus no processo, menos pela tese mirabolante de que a culpa seria do falecido e mais porque as imperfeições, na formulação da denúncia, impossibilitariam qualquer condenação. Mesmo assim, não se privou o magistrado de ironizá-los na sentença, observando que:

“Talvez, pela via da presente ação penal, não se possa provar a culpa de nenhum dos acusados pelo delito de descaminho; mas entendo que deveriam ser punidos pela tentativa de “necrofilia” (atração sexual mórbida por cadáver). Porque percebo que estão, todos, querendo “botar” no morto!”

E o meritíssimo, é claro, estava com toda a razão!