Amor de menino

O irmão de sua avó havia sofrido um acidente grave. Caiu de cima do telhado e além disso, foi acometido de um derrame cerebral que o deixou acamado por um longo tempo. Dona Lucila arrumou as malas e, atendendo ao pedido de ajuda das irmãs, partiu para a cidadezinha onde morava o Tio Jonas. Bruno foi com ela para lhe fazer companhia, entusiasmado pela possibilidade de aventuras. Não imaginava, porém, que, naquelas férias, fosse experimentar pela primeira vez a dor da saudade.
A família possuía uma casa na rua principal. A cidade era pequena e todas famílias se conheciam. Mas ele era um estranho. Ele sempre se sentia estranho. Não conseguia se acostumar com todos aqueles olhares dizendo que sabiam quem ele era. Não demorou pra cair a ficha: estava só, e sem a companhia dos irmãos e dos amigos da sua vizinhança, sem rádio, sem TV. Desejou ardentemente voltar pra casa; mas não queria desagradar a avó nem mostrar arrependimento. Guardou a dor para si. Ficava sentado na sarjeta aguardando, em silêncio com uma ansiedade contida, a chegada do ônibus que vinha da capital, alimentado por uma frágil esperança de que ele lhe trouxesse uma companhia para as brincadeiras.
A avó cuidava dos afazeres domésticos pela manhã e à tarde ia ajudar as irmãs a cuidar do Tio Jonas. Bruno, mesmo acostumando a brincar sozinho, sentia muito a solidão. Até a tarde em que conheceu Tina. Ela era filha única. Nyara Cristina, enfatizou o pai, Tio Armênio, filho mais moço do Tio Jonas e primo distante da mãe de Bruno. Negro sisudo, casado com D. Isabel, uma mulher branca e alta de  aparência de espanhola. Lembra-se que eram muito vigilantes e observavam atentamente o interesse que Tina despertava no menino de treze anos, “menino da cidade grande, influenciado pela TV, iniciado nas malícias da sedução”.
Bruno ficou encantado com a menina de olhos castanhos claros, cabelos lisos, meio aloirados e boca bem desenhada, sob o nariz afilado. Tinha um jeito caboclo. Seu aspecto era sempre limpo, seus cabelos eram macios e tinham um brilho sedoso; seu olhar era um olhar penetrante que o deixava extremamente constrangido. Uma coisa era ver os homens seduzindo as mulheres na TV, outra coisa era estar na situação, diante daquela menina que talvez sequer imaginasse estar fazendo um jogo de sedução. Ela usava chinelos que pareciam sempre novos, seus shorts brancos e curtos mostravam as coxas roliças de pele bronzeada, macia e aveludada. Ficavam juntos a tarde toda sentados num banco, na varanda, conversando, rindo. A brincadeira preferida era o "olho no olho” que consistia em ficar a maior tempo possível um olhando nos olhos do outro sem rir, sem piscar e sem falar nada. Bruno aproveitava para explorar cada centímetro daquele rosto, descendo pela linha do pescoço que o conduziam ao colo de seus seios, que ainda pouco protuberantes, salientavam-se sob a blusa fina. Beijos e abraços furtivos em raros momentos de privacidade preenchiam as tardes, e mudavam o gerador da saudade.
A ansiedade agora era para que chegasse de novo a hora de ficar perto da Tina. Bruno só se afastava dela para ir correndo pra casa tomar um banho caprichado. Depois do café da tarde, vestia a melhor roupa que podia e logo estava de volta na casa do Tio Jonas, cheio de contentamento. “Não fique muito tempo perto da Tina, o pai dela pode não entender e se zangar com você”, aconselhava a avó. Mas, qual nada, Bruno não se importava; o pai de Tina mal ficava em casa; tinha que ir pescar para colocar comida em casa ou resolver algum problema na cidade vizinha.
A noite chegava. Ele e Tina não se desgrudavam. Quando não podiam ficar sozinhos, aboletavam-se junto à mesa de jantar, na cozinha onde se reuniam os adultos para conversarem. Conversa que durava horas. Binho fingia dormitar enquanto Tina acariciava os cabelos do seu “curumim” e vez por outra sussurrava segredos em seus ouvidos, fazendo-lhe sacudir os ombros numa gargalhada silenciosa e cumplícita. Os dias foram passando. Amanhecia, anoitecia e amanhecia novamente, e a doença do Tio Jonas ia se prolongando. Tina morava em uma ilha bem distante daquela cidade. Ela e os seus pais ficariam ali enquanto o Tio Jonas não ficasse bom ou morresse. E enquanto as férias não terminassem, ele e Tina podiam ficar juntos.
Assim, os dias passaram tão rápido, como dantes Bruno não desejava, por conta da saudade que seus sentia dos pais e dos irmãos. Mas para a sua tristeza, as férias terminaram. Ele tinha o compromisso da escola. Precisava voltar o quanto antes. Mas ele agora sabia mais do que nunca o que era saudade. Voltava para casa, por um lado feliz de reencontrar seus pais e seus irmãos, e poder de novo ouvir rádio, assistir TV; por outro, levava consigo um novo jeito, um jeito diferente de sentir saudade. Saudade de Tina. Saudade das tardes inteiras de namoro com a sua cabocla. Saudade do seu amor de menino.



Este texto faz parte da coletânea Alma Nua de Ivo Crifar, pela editora Baraúna.