Herança dos portugueses

Estávamos nos Alpes franceses junto com o grupo de bolsistas estrangeiros.Durante o jantar, a uruguaia que tinha vivido em Florianópolis, muito interessada em recordar-se das coisas de nossa terra, conversava animadamente conosco, em francês, naturalmente. De repente perguntou: “A que horas vous jantez lá no Brasil?“ Embora estivesse tomando sopa, engoli em seco, disfarçando o riso. Digo isto porque não existe o verbo janter ao qual ela se referia. A moça nem percebeu e continuou a tagarelar, misturando francês, espanhol e português.

Mas alguns tailandeses que também se encontravam em nossa mesa perceberam que algo estranho tinha se passado. Estavam curiosos e um deles arriscou:

_ É português a língua do Brasil, não é?

_ É sim, respondi logo, contente por ele não ter dito espanhol ou brasileiro.

_ Vocês sabem que os portugueses estiveram na Tailândia, há muito tempo...

_ Claro! Antigamente eles andavam por toda parte.

_ Então, eles até deixaram umas palavrinhas em nosso vocabulário.

_ Ah, é? Fiquei curiosa.Por exemplo...

_ Pinto.

_ Como???! José e eu perguntamos em uníssono. Queríamos nos certificar de tínhamos ouvido bem.

_ Pinto, repetiu o rapaz com a cara mais cândida deste mundo.

_ E o que quer dizer? perguntou José um tanto sem graça.

_ Quer dizer... você sabe... aquilo... aquilo... Não sei como é em francês.

_ Aquele negócio... aquilo que serve para... para...

_ Aquele negócio que serve para carregar comida, finalmente um deles explicou.

Ah! Deve ser a marmita, pensei aliviada.

_ Em nossa terra chamamos isto de marmita, expliquei.

_ Não se chama pinto, em sua terra?

_ Não, não.

_ E pinto, não existe?

_ Existe, disse José.

_ E o que quer dizer? queriam saber o tailandeses.

_ É... quer dizer... é um sobrenome. Em Portugal também.

_ Eu não entendo, disse um dos rapazes, no Brasil vocês não têm pinto?...

Mais uma vez José e eu trocamos olhares, morrendo de vontade de rir. Não tínhamos coragem de seguir com a conversa, mas também não podíamos deixá-la morrer assim, sem mais nem menos. Afinal de contas, o assunto era delicado.

_ Ah! disse eu após ter tido uma idéia. Acho que encontrei uma explicação! Deve ter existido um senhor Pinto, português que vivia na Tailândia e como ele trabalhava longe de casa, carregava seu almoço na marmita. Mas o povo de lá não conhecia a marmita e logo todo mundo começou a dizer que também queria aquele negócio igual ao do senhor Pinto. O negócio do senhor Pinto, o negócio do Pinto, o Pinto, aquele negócio... a frase foi se encurtando. E o nome do negócio acabou virando pinto. Só pode ser!

_ Você tem razão, é bem possível... disseram alegrinhos os tailandeses.

Nós também ficamos alegrinhos e pudemos, enfim, mudar de assunto...