EU TAMBÉM ESTIVE POR LÁ

Quando, há algum tempo, sob a justificativa de caçar terroristas palestinos, Israel invadiu o Líbano mais uma vez, recebi uma carta de minha irmã, lamentando aquele estado de guerra dentro do território libanês. Um país que ela conhecera antes disto, viajando com o marido, de onde havia voltado encantada, apesar da destruição em certas áreas, pelos conflitos anteriores.

Respondi à sua carta, lamentando igualmente, pelas guerras em si mesmas e pela devastação que estas vinham causando, não só no Líbano, como em grande parte do Oriente Médio. Mas ela não entendeu direito, quando eu lhe disse que também havia me encantado com aquela região. E me perguntou quando foi que eu fizera essa viagem, da qual ela jamais tivera notícia. Foi aí que eu lhe escrevi o seguinte:

Talvez você não saiba, minha irmã, mas eu também já viajei pelo Oriente Médio. Não como você, que se transportou de avião, em tempos de uma guerra "nada santa", com meia Beirute destruída e precisando de um passe do Ministro da Defesa, para exercer o seu direito de ir e vir.

Nada disso! Eu viajei pelo modo mais primitivo, seguindo as milenares trilhas do deserto e, sob “o Céu de Allah”, cruzando com caravanas de beduínos que, assim como eu, se transportavam em camelos e pousavam em oásis inimagináveis, que nos permitiam descansar, ao termo de cada jornada, enquanto o nosso guia contava fabulosas “lendas do deserto”, “lendas do oásis” ou “lendas do céu e da terra”.

Ouvi, nessas peregrinações, “mil histórias sem fim”, sobre o califa Harun Al-Rachid, soberano dos mais importantes, por aquelas paragens. Eu me encantei com “as aventuras do Rei Baribê” e conheci, numa ida a Damasco, um sujeito intrigante, pela facilidade com que lidava com os números e resolvia os problemas matemáticos: era “o homem que calculava”.

Teve isto e teve muito mais. Porque as minhas aventuras no Oriente Médio foram muitas e me ocuparam os sonhos e a imaginação durante horas, dias e meses, nos doces, mas agora distantes, anos da minha adolescência.

Talvez eu nunca mais volte lá. Inclusive, porque o meu guia, nessas excursões fabulosas, já não está mais por aqui. Entretanto, na linha da minha vida, Allah, o Glorioso, deve ter determinado que fosse assim. E Maomé, o seu Profeta, não haveria de querer que eu visitasse aquela Região soberba em tempos menos felizes, como agora.

Estava escrito que seria assim. Ou, simplesmente, “maktub”... Como prefere expressar o fatalismo muçulmano. Mas pode acreditar, minha irmã, que foram viagens inesquecíveis, as que eu fiz pelo Oriente... Levado pelo gênio criador do admirável escritor Malba Tahan (*).

(*) Malba Tahan é o heterônimo do matemático e escritor Júlio César de Melo e Souza, que é famoso, no Brasil e no exterior, por seus livros de fábulas e lendas, ambientadas no Oriente, alguns dos quais se encontram contextualizados nesta crônica. E o califa Harun Al-Rachid, um personagem que aparece em vários dos seus contos.