Google Earth

Vejo-a pequena e desamparada, solta no espaço, com véus de nuvens despenteadas, como se pintadas por liberto artista. Sou Yuri Gagarin, a bordo da Vostok – 1, a primeira retina a mirá-la, e murmuro: “A Terra é azul”. Observo-a e sou Caetano Veloso, alçando vôo da prisão para cantá-la: “Por mais distante/ o errante navegante./ quem jamais te esqueceria?”

Sobrevoo-a e sou águia de aguçados olhos e afiadas garras, mirando a presa que se esconde e se esquiva, sem me ver, mas que me sente e tem medo de transformar-se em alimento.

Aproximo-me e sou viajante/viajeiro preocupado com tantas clareiras de fogo, de concreto, de insensatez (e os mortos somos nós e quem nos acompanha). Chego mais perto ainda e sou espião “Grande Irmão” que tudo vigia, tudo quer, e nada perde. Pra quê, afinal?

Desço, caminho pelas ruas e sou vizinha fofoqueira, que vê na vidraça a razão da existência e no movimento dos outros, substrato para suas peçonhas. Vejo de tudo e de todos, só não vejo minha alma e, por isso, sou infeliz.

Pulo de Londres a Amsterdam, passo como flecha sobre Nova York, aterrisso em Tóquio, viro o mundo e plano sobre o Saara, vendo, mais ao sul, diamantes ainda rubros. Volto para casa antes que anoiteça. Sou cósmica pulga intranquila a buscar algum lugar escondido que já não existe mais.

Contemplo-a e imagino quanta cola é necessária para manter tanta gente, prédios, casas, tudo, tudo ali, colado naquela bola azul. Não entendo como a água não cai dos mares para o infinito e como faz a chuva para cair para cima quando a nuvem está na parte de baixo. Redescubro que é preciso sempre ser criança novamente para ser compreendido por Deus.

Imagino-a bola de futebol e sou Garrincha brincando, de pernas tornas e olhar reto, deixando zagueiros sentados no chão à minha passagem.

Afasto-a e sou um deus tentando empinar sua pipa mais querida a sentir que a linha está podre e pode romper-se quando menos espero.

Movo o mouse e temo que ela se desprenda para sempre.