O LADO OCULTO DA LUA

Eu não tenho nenhuma dúvida sobre todo o mérito que há na iniciativa de se adotar uma criança. Conheço uns casos tocantes, de pessoas que, impedidas biologicamente de serem pais e mães, resolveram ter, pelo mais puro amor de seus corações, os filhos que os seus corpos os impediram de gerar. E conheço, mais do que isto, pessoas que adotaram crianças, embora podendo ter os seus próprios filhos ou, o que é mais importante, apesar de já tê-los.

Há algumas dessas adoções que mereceriam ser contadas em livro e em filme, com direito a premiação e tudo o mais. Há muitos anos atrás conheci uma pessoa que, certo dia, a propósito de conversarmos sobre as coisas da paternidade, contou-me uma história, capaz de deixar qualquer um arrepiado de emoção.

Ele tinha duas filhas e ia viajando, nas proximidades de Brasília, por uma estrada pouco movimentada, com as crianças e a mulher, quando, numa curva do caminho, deparou-se com um acidente de graves proporções, onde um carro se incendiava.

Correu em socorro das vítimas, pois era possível perceber que ainda havia gente dentro do veículo em chamas. Eram uma jovem mulher e uma criancinha que não tinha ainda um ano de idade. Depois de algum esforço, conseguiu retirar a garotinha do carro acidentado. Entregou-a à sua mulher e ia voltando para tentar resgatar a mãe da menina, quando o carro literalmente explodiu.

Soube depois que a moça morta naquele acidente perdera seu marido há pouco tempo, ficando grávida daquela única filha. Os avós da criança, de ambos os lados, já eram falecidos. Então decidiu requerer a adoção da garotinha. E como nenhum parente da menina se opôs a isto, ele e sua mulher ganharam uma nova filha, enquanto a garota passou a ter uma nova família.

E quando terminou de me contar essa história, ele fez, para mim, um comentário emocionado:

— Como você vê, eu não sou o pai dela apenas por adoção. Na verdade, fui eu quem lhe deu a vida pela segunda vez.

E terminou me confessando que, das três filhas, era para ela que pendia a sua predileção.

Também fico emocionado, sempre que me lembro dessa história e, a cada dia, admiro mais aqueles que têm a grandeza de adotar uma criança. Não para atender a uma necessidade sua, mas pela simples capacidade de amar o próximo.

Mas apesar de tudo, conheço outros casos em que os filhos adotivos, com o passar do tempo, desenvolveram tendências tão estranhas e assustadoras — como doenças mentais ou uma extrema agressividade contra os seus próprios familiares — que chegaram, em situações agudas, a cometer agressões físicas e até homicídios, em que os adotantes foram vitimados.

Pois este é, justamente, o aspecto que me assusta diante da incrível decisão de se adotar uma criança. O adotante pode levar horas olhando para um bebê que pretenda adotar, pode submetê-lo a todos os exames possíveis e pode saber tudo sobre as suas condições de saúde. Mas não tem como saber — e, na maioria das vezes, nem mesmo como presumir — a carga genética que virá com o adotado.

Não tem, porque, na prática, é impossível que queira ou consiga manter contato e ter uma convivência com a família biológica do adotado. E é isto que considero o grande risco da adoção: toda criança traz consigo um potencial que sempre será desconhecido daqueles que a adotaram. Mesmo que, em grande número de casos, esse potencial seja para o lado bom.

A adoção de uma criança pode iluminar a vida de uma família ou de um casal, com a luz suave de uma Lua cheia em noite de céu estrelado. Mas, assim como a própria Lua, um filho adotivo também tem o seu lado oculto. Que pode, no máximo, ser imaginado; mas nunca se consegue ver...

Que isto não sirva de argumento, no entanto, para quem pretende gerar com o coração os filhos que não gerou biologicamente. Trata-se de uma mera reflexão. Porque alguns filhos biológicos, por vezes, também surpreendem os pais...