DOIS ESTRANHOS FRENTE A FRENTE

Uma vez entrados no mundo real, aqueles que fôramos até então, morreram para sempre. Fica estranho, portanto, voltar a escrever a uma pessoa que "não" existe mais, aquela que só existia na minha imaginação. Porque este era, até o nosso encontro, o domínio do "outro" ao qual eu dei forma e até conteúdo, a partir de impressões recebidas com suas mensagens diárias. O mesmo deve estar acontecendo com ele. E já tinha ouvido muita gente dizer de quanto é diferente a pessoa virtual da que encontramos no mundo real. Algo como praticamente, começar do zero. Isso está bastante claro pra mim agora.

Há também histórias de perplexidadesde incontroláveis nos encontros quando os dois omitiram dados ou se apresentaram de forma não correspondente à verdadeira. Daí o desastre é inevitável.

De apaixonados virtuais, jogados um diante do outro, imagino que a catástrofe possa ser grande em muitos casos. Como transferir instantâneamente uma paixão cuja abrangência é muito maior do que um simples relacionamento amistoso para uma pessoa de carne e osso, quando o contato será agora de olho no olho nunca olhado, mão na mão nunca tocada, sem a possibilidade da fuga do que é indesejado, da transformação mágica que se processa em nosso imaginário e deixa doce o que é salgado, macio o que é áspero. Toda aquela vivência intensa e onírica se concentra agora em um corpo à nossa frente, um mísero corpo que está ali de forma totalmente acabada, nada a acrescentar, nenhum verso pra amortecer a visão definitiva do outro. Rezem então pra que um abraço afetuoso possa fazer o milagre do encontro verdadeiro...

Estar diante de um completo estranho e ao mesmo tempo trazendo dentro de mim uma "idéia" que é preciso encaixar instantaneamente naquele que se encontra ali, parado, exigiria mais tempo do que aqueles poucos minutos de que eu dispunha. E então uma vontade de passar reto pra poder ficar olhando de longe, ter tempo pra realizar a simbiose, ver aquela foto tantas vezes perscrutada, "entrando" no homem como numa cena de ficção aonde corpos se recompõem como mágica.

Meu corpo sente o ar fresco da chuva recém caída ao descer do veículo que me trouxe até o ponto combinado. Tentando ganhar tempo, troco a bolsa de lado, ajeito alguma coisa na roupa olhando pra baixo, respiro fundo e ergo a cabeça um tanto abruptamente, giro meia volta pra direita, esquerda, fazendo uma panorâmica e tentando não fixar nada. Aí percebo neste movimento alguém parado e me olhando. Desvio os olhos como quem não percebeu, mas já sei que, apesar da figura um tanto imprecisa, a semelhança existe e é ele, afinal. Passo sem pressa pela roleta e me vejo a poucos metros daqueles longos três meses de diários "bom-dia" e poucas palavras da parte dele. Então respiro fundo e ando em sua direção...

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 04/03/2009
Reeditado em 04/03/2009
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