Boa Noite, Bate Feliz

Boa Noite, Bate Feliz

Três meninas no palco. Corina, Elisa e a terceira, cujo nome fugiu mas não a presença, violeira de mão cheia. Três irmãs.

Na entrada do show, o mestre me dá uma aula de muitas coisas, com refinado bom humor. Ganho também 3 livros de presente. Nada mal para dia três do três.

Corina toca flauta e conta histórias. Elisa parece, pelo jeito faceiro, personagem do Disney, debulha banjo e bandolim, e quando não se está prestando atenção, porque música é assim mesmo, distrai a gente, ela saca um clarinete. A irmã mais velha faz a baixaria num pinho de sete cordas que, para quem ouve, sopa no mel, para quem toca, sabe que aquela condução de baixo não é para qualquer um.

Produto da escrita tira margem de quaisquer equívocos. Não integramos um site de produtores de hélices para esquis eólicos. Escrevemos. Depois de um ano de RL, tive a honra de conhecer pessoalmente o mestre Jacó Filho. Sensação curiosa. Fruto da escrita. Era como se já o conhecesse. Não se tratava de um reencontro com um velho amigo. Foi como se a porta entre a magia e o virtual entreabrisse para conhecidos além das datas e das convenções conhecidas. Afinal, leio-o há um ano, semanalmente. Sendo a recíproca verdadeira, fica estabelecida uma convivência. Se fossemos integrantes de um site de produtores de hélices para esquis eólicos, as margens seriam imensas. Poderíamos saber muito sobre formatos de hélices e velocidade de esquis. Mas nunca sobre o cerne, já que web é o esconderijo dos cernes mais que escondidos. Todavia, ao escrever uma crônica ou um soneto, isso para ficarmos nesses parâmetros, somos automaticamente transfigurados pela essência. E revestidos por ela. Assim, não há o que perguntar, tampouco o que esconder. Exceto trivialidades.

- Você achou que Contemporânea fosse o que? – indaga o mestre.

- Pelo nome, pensei que fosse uma livraria...

Ele sorriu diante da minha ignorância. Depois foi autografar os livros.

Corina explica que Benedito Lacerda praticamente trouxe Pixinguinha à baila para o grande público. Corina é fã dele. Conhece sua história e seu repertório. Trata-se de sua fonte inspiradora. Diz que em 1928, Benedito Lacerda tinha contrato de exclusividade com a RCA Victor. O que o impedia, em teoria, de servir à outros cantores. Na prática, Benedito mudava o nome da banda e estamos conversados. Pois haviam legiões de almas e ouvidos a serem contemplados pelos seus regionais. Sem falar no virtuosismo de suas composições. Nos meus ouvidos, destacou-se “Os oito batutas”, que as meninas executaram como quem se diverte catando vaga lumes do nada, e colocando-os no céu do ouvinte, com tudo.

Foi no domingo de carnaval que o mestre sugeriu, através de e-mail, vermos o show denominado “Choro das Três”, no Sesc Paulista. Ele também havia sugerido um local chamado Contemporânea, mas aí as comunicações se interromperam. Carnaval sem Lan no meu bairro.

Elisa nos brinda com composição própria, “Bola de Gude”. Palheteira, se diverte ao aplicar a palheta no banjo, que soa com uma pitada de reverb. Sua técnica é resultado de uma norma que serve para os instrumentistas de todo o mundo – se não estudar, não colhe. Elisa estudou.

A cada três ou quatro músicas, Corina rejunta o quebra cabeça da cultura nacional, com as idas e vindas de Benedito, Pixinguinha, rádio Almirante, marchas de carnaval, contrapontos de choro, etc. Aliás, “Jardineira” foi composta por Benedito.

Como tudo parecia mesmo ternário nessa data, o artista mentor dos destinos concedeu ao espetáculo três momentos de emoção definida, perto do final. Primeiro, quando as integrantes mencionam o recém falecimento, e daí homenageiam musicalmente, o dono da Contemporânea (fabricante de instrumentos musicais e incentivador deste trio). Segundo, quando Corina puxa na flauta as primeiras notas que imortalizaram o maestro Ari Barroso, com “Aquarela do Brasil”. Terceiro, Corina pede para a platéia cantar “Carinhoso”. Em se tratando de um show instrumental, e ela faz questão de enfatizar isso, eis uma boa curiosidade: já há algum tempo percorremos todo o Brasil - diz ela - e descobrimos que essa música, com praticamente 100 anos de existência, está presente em todos os lugares. Todo mundo sabe cantar.

“Meu coração, não sei por que, bate feliz, quando te vê...”

Quando a gente menos espera, emoções batem à nossa porta. Vem de não sei onde, repletas de imagens, às vezes difusas, com poucas embora intensas palavras, mas a despeito das sinalizações, em dado momento, encantam. Cada vez me convenço mais que a boa parte da vida transborda esses encantamentos. E quando se pensa que eles não irão mais nos contemplar com, literalmente, o ar da sua graça, somos agraciados. Tal é a vida.

De acordo com a praxe do Sesc Instrumental, após o evento ocorre bate papo com platéia, músicos e internautas. Oito e vinte no relógio da vizinha de poltrona.

Me despedi do mestre poeta Jacó Filho profundamente agradecido, tanto pela qualidade do espetáculo, como pelo insight concebido pelo sem igual Alfredo, muitos verões atrás. Parti sem demora para um compromisso pré agendado. Noite quente. Quatro quarteirões e um mundo de divagações que, se condensadas, não valeriam um por cento dessa meia estrofe:

“...bate feliz, quando te vê...”

Seja lá o que quer seja, o amor, e apenas o amor, leva o coração a bater assim. Sei disso. Só havia me esquecido.

Boa noite.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 07/03/2009
Reeditado em 12/06/2013
Código do texto: T1474617
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