Desafio Macabro -Meninas na janela.
 
          Olívia e Agnes. Não sei bem quem desafiou. Pode ter sido uma, pode ter sido a outra. O caso é que eram primas e eram jovens, bem jovens. Uma veio da cidade grande passar as férias na roça. Talvez por isso já se sentisse mais mulher do que a outra. E mais sabida. Penso até que foi Agnes, a da cidade, que desafiou Olívia, a da roça. Mas o caso é que uma desafiou e a outra aceitou.

          As duas passavam os dias juntas, contando vantagens. Quem levava vantagem é claro era a da cidade. Não podia ser desmentida.  Perambulavam o dia todo e a noite iam para a casa da avó. A avó reunia os netos na cozinha, em torno do fogão de lenha, e enquanto tomavam leite queimado com as quitandas feitas a cada dia, lhes contava histórias. Bem sacana a avó. Adorava histórias de assombração. Entre as muitas histórias, a preferida era a do Cavaleiro da Meia Noite. Mas a avó, como já foi dito, era bem sacana. Contava e inventava. Cada dia ela se lembrava de um fato novo e acrescentava. De tal forma que ninguém mais sabia o que era verdade e o que era mentira. Ninguém mais sabia onde acabava a história original e onde começavam as invenções da avó, já que tudo era mentira mesmo, diziam as mães das meninas, filhas da avó. Naquela altura o Cavaleiro da Meia Noite era um jovem fazendeiro muito bonito que apaixonado por uma mulher casada fora emboscado pelo marido e morrera. Ele e seu cavalo. Mas como era um cavalheiro, além de cavaleiro, ele nunca poderia descansar em paz enquanto não se despedisse da mulher amada e lhe contasse porque faltara ao último encontro. E então vinha todas as noites, com seu cavalo, esperando encontrar sua amada. Mas quando alcançava a sua janela, bah! Que desilusão! Ela estava toda fechada, escuridão. “Naquela noite Olívia resolveu perguntar:” Ô vó, mas onde era a casa dessa mulher?”A avó se fez de rogada, querendo mistério, mas frente à insistência de todos contou: “Na sua casa, Liv. Era ali que morou a mulher casada por quem o cavaleiro cavalheiro se apaixonou! Depois que matou o rival o marido levou a mulher embora e soube-se que logo depois ela morreu de tristeza. Sequinha de fazer dó. A casa ficou anos e anos fechada até que seu pai a comprou e reformou.” E imediatamente a avó não quis mais conversa e os colocou para fora de casa mandando que procurassem o seu pouso. E as duas meninas que já queriam ser moças, mas ainda tinham cabeça e coração de meninas foram para casa morrendo de medo. Exigiram escolta dos meninos. Que fingindo valentia, foram.
 
           Em casa entraram logo  no quarto mas não foram dormir. Conversa vai, conversa vem, relembraram as várias facetas da história que a avó contara. Lembraram que a avó dissera: “ Ele só descansará em paz se alguém contar a ele que a mulher morreu. Assim ele irá procurá-la em um lugar mais apropriado. E a avó ainda zombara de todos do povoado que não tinham coragem de esperar o cavaleiro para libertá-lo. “Por que você não  o espera,vó ,já que é tão corajosa?” Foi um dos meninos, de barbicha rala, tomando as dores, quem disse.  – “Mulher não pode fazer isso, porque se fizer ficará encantada, se apaixonará por ele e subirá em sua garupa para acompanhá-lo em seu destino. Além disso ficará com uma mecha de cabelos brancos igualzinho a que tinha a moça que ele amava.”Ninguém acreditou: A vó é tão medrosa quanto todos, disseram. Está arranjando desculpas.

          A prima da cidade era muito atrevida. Embora tivesse medo gostava de dizer que não tinha. Tudo é invenção da avó, dissera ela naquela noite. “Vamos esperá-lo, você verá que não há cavaleiro nenhum.” A prima da roça  sabia disso, mas como gostava de zoar com a prima da cidade resolveu aceitar o convite. Sim, foi assim que aconteceu agora me lembro. E as duas começaram a se preparar: primeiro, se aprontaram como se fossem a um baile na garupa do cavaleiro. Pintaram o rosto, prenderam o cabelo, encheram-se de colares e pulseiras e anéis. A roupa? Ficaram de combinação, que naquele tempo ainda se usava, os peitinhos durinhos bem realçados e lá pela onze horas suspenderam a vidraça, apagaram a luz do quarto, abriram a janela e se puseram ali todas coquetes. Fazendo caras e bocas. Assustando-se a cada barulho que ouviam, mas fingindo uma para a outra que não. E o tempo foi passando e a noite silenciando. 

          E o tempo passou. Misturando sono, medo e ansiedade as meninas na janela esperavam. Estava chegando a hora. Foi aí que o relógio na sala de jantar começou a bater as doze badaladas. Levaram tanto susto que nem ouviram o tropel do cavalo se aproximando. Quando atinaram ele já estava ali na frente delas. Olívia saiu do torpor quando ouviu uma voz conhecida dizendo: “Que é isso, estão malucas?”. Fechou a janela correndo e só então percebeu que Inês estava caída no chão, desmaiada. Custou a reanimá-la. Contou-lhe então que o cavaleiro que tinham visto era um conhecido fazendeiro do povoado voltando à noite de sua fazenda. Mas Inês nunca acreditou. Jura até hoje, já bem entrada em anos, que viu O Cavaleiro da Meia Noite. Que ele era lindo e  que o desencantou, porque ele nunca mais apareceu.E que foi nessa ocasião que surgiu a mecha de cabelos brancos que tem até hoje na cabeça. É o que conta para os netos. Quando vão dormir em sua casa na cidade grande. E eles a olham de olhos arregalados e vão dormir juntinhos e bem abraçadinhos, no meio dos dois. O avô e a avó.
 
 
 
Este texto faz parte do 1º Desafio Recantista de 2009.
O tema definido desta vez foi o de Contos Macabros, contemplando textos sobre horror sobrenatural ou realista, densos e sérios ou divertidos e leves.

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