MILAGRE AO CONTRÁRIO

Contam, em minha família, uma história muito divertida, que teria ocorrido com a minha bisavó Michol, que nos deixou, assim como esta, outras tantas histórias bem divertidas. Era, pelo que dizem os que tiveram a sorte de conviver com ela, uma pessoa realmente engraçada, com um impagável senso de humor, que encontrava motivo para fazer rir, mesmo nas situações mais adversas.

Pois bem, segundo a história que eu queria contar, certa vez passou lá por Fortaleza, em hábil peregrinação nordestina promovida pelos padres de então, a imagem de uma santa — que não sei qual delas seria — deixando, em seu rastro, uma série de milagres, curas e outros benefícios do gênero.

Posso imaginar o “frisson” com a chegada da tal imagem, porque vinha precedida da fama de seus feitos e porque conheço bem a natureza mística do povo do Nordeste do Brasil.

Iria ser exibida, parece que uma única vez, numa das praças da capital cearense e, para lá, acorreram milhares de pessoas, aguardando a oportunidade de alcançar uma graça, uma cura ou, simplesmente — como era o caso da minha bisavó — as bênçãos da santa.

Fervor demais, às vezes, também atrapalha. E a excitação da massa para ver a “milagrosa” redundou num tumulto terrível, que causou muita correria, com gente se machucando e, desconfio, muita blasfêmia pronunciada pelos que se frustraram.

A minha bisavó Michol (um nome bíblico, que se pronuncia Micol) também andou levando uns pisões, acabou chegando em casa com os pés machucados e, por consequência, mancando. Porém, quando alguém lhe perguntou sobre a ocorrência de milagres, não perdeu o senso humor e arrematou respondendo:

— Comigo, pelo menos, aconteceu um milagre ao contrário: saí de casa boazinha e voltei aleijada!

Eu sempre me lembro disto quando me deparo com algumas ações e obras de governo, algumas das quais não resolvem absolutamente nada e só servem para atormentar um pouco mais a vida da população e do contribuinte, já bastante atormentado. Na área do trânsito, por exemplo, isto é prática comum!

Na cidade em que eu vivo, cuja Prefeitura Municipal tem um órgão que cuida do trânsito, mas parece não ter nenhum especialista no que se conhece como “engenharia de tráfego” — sim, porque na “engenharia do tráfico”, existem vários especialistas por aqui — de quando em vez, fazem experiências mirabolantes, mudando o sentido de mão das ruas e avenidas, sem qualquer razoabilidade, que só se prestam a congestionar, mais ainda, o fluxo dos veículos. Todos os motoristas entendem que aquela alteração só fez piorar as coisas. Menos, ao que parece, os que dirigem o trânsito da cidade.

Também não se pode compreender que, numa cidade onde o trânsito já é tão congestionado, onde existem tão poucas avenidas largas que possam aliviar a circulação de veículos, alguém tenha a ideia de fazer canteiros ou criar estacionamentos para reduzir, ainda mais, a calha das ruas. Já conversei com diversas pessoas e ninguém consegue encontrar uma explicação plausível para a desatinada iniciativa.

Mudar o sentido do fluxo de trânsito — o que tem sido uma medida frequentemente adotada — até pode, em alguns casos, tornar a circulação dos veículos mais lógica. Mas transformar as ruas em canteiros e estacionamentos, se considerado que a frota de carros só está aumentando, é algo que pode fazer sentido para um paisagista. Mas nunca para um engenheiro de trânsito.

Eu disse que ninguém consegue explicar? Não é bem verdade. Certa vez, conversando com um técnico do órgão que cuida do trânsito aqui, ouvi dele que a redução da calha de uma determinada via em certo trecho, havia sido necessária porque, logo adiante, a rua fica mais estreita e haveria um afunilamento do fluxo de carros.

Mesmo que fosse este o motivo, o que está sendo feito é, exatamente, o oposto do que deve fazer a administração municipal de qualquer cidade que esteja crescendo. Em lugar de se alargarem as ruas, nos trechos que estão afunilados — será que alguém já ouviu falar em desapropriação? — estão afunilando as ruas nos trechos mais largos, para torná-las compatíveis com suas partes mais estreitas.

Menciono a minha cidade, porque é aqui que eu vivo. Mas sei que esta falta de bom senso, na organização do trânsito, ocorre, “às pencas”, por este país afora. E é a este tipo de coisa, justamente, que a minha bisavó Michol chamaria de um “milagre ao contrário”.