Massarandupió

Resolvi ir a praia. Massarandupió. Para o pessoal que conhece a Bahia já sabe do que se trata. Eu tinha sempre este desejo e não conseguia realizar. Ir para uma praia espetacular e ficar como vim ao mundo.

O lugar é lindo realmente. Praia de difícil acesso quase escondida no mapa, perto de Sauípe quase 100 km de Salvador. Dia 30 amanheceu chuvoso na capital baiana, mas mesmo assim eu arrisquei. Sai cedo. Peguei a namorada e não disse nada. Vamos para o litoral norte.

Chegando lá vi a placa que denunciava. Para a direita praia de naturalismo. Regras e regras. Não pode fazer isso, não pode fazer aquilo, só entra acompanhado etc, etc. A esquerda praia normal. Resolvi seguir o caminho pela esquerda.

Massarandupió é uma praia bonita. Tem uma faixa de areia boa e mantem um estilo selvagem de ser. Não chega a ser a praia dos sonhos, mas encanta pelas poucas barracas que possui e pela mata virgem que lambe seus areais. Entre árvores naturais, coqueiros em toda extensão.

Resolvi caminhar para o lado proibido. Já havia conversado várias vezes com ela para saber se podíamos ir a uma praia destas e ela dizia: Não tiro a roupa mesmo. Agora eu iria saber como seria.

Caminhamos 2 kms e ela desconfiada. Para onde vamos? Vamos até aquelas bandeirinhas e aquela placa. Andando mais um pouco conseguimos ler a placa. Final da área de adaptação. A partir deste ponto só passa sem roupa nenhuma. E então? Vamos? Eu não. Vou sentar aqui e esperar.

Nesta indecisão nem notamos que um velhinho tinha se aproximado para conversar com a gente. Olha a regra é esta mas hoje se sua namorada não quiser tirar ela pode entrar. Eu já estava sem nada. Para que adaptação? Se a idéia já tinha adaptado na minha cabeça há muito tempo. Pensei que seria difícil tirar mas que nada. Rapidamente estava nu.

E eu que sempre tive dificuldades de estar nu. Será que envelhecemos e ficamos descarados? Só sei que eu não sou uma pessoa que gosta de ver homem nu. Discordando um pouco do que as mulheres acham, eu acho um corpo feminino mil vezes mais bonito que o masculino. Aquele negócio de coisa pendurada não tem graça. Parece uma aberração corpórea. Depois aquela coisa de banheiro masculino, todo mundo em pé mijando um ao lado do outro, eu não consigo mesmo. Mas estava lá sem roupa conversando com o velho como se nada tivesse acontecido.

Primeira atitude. Correr na praia. Incrível como vem a idéia do renascimento. A diferença que faz uma tira de roupa. E eu lá. Sem roupa num paraíso tropical. Corri de ponta a ponta. Tinha nativos vestidos e poucas pessoas nuas mas nem me importava. Estava importando mais para a barriguinha que começou a aparecer do que meu corpo nu.

A sensação de liberdade é algo único. Parece que o mundo se apaga e esquecemos a existência dele. Voltamos a infância quando víamos o mundo mais puro sem a vergonha de andar sem roupa. Lembrei das minhas viagens com meus pais bem pequeno nas dunas de Santa Catarina quando rolava na areia com meus irmãos sem roupa.

O sol, o mesmo sol que sempre me acompanhou, brilhava do mesmo jeito que muitos anos atrás. Me joguei ao mar e fiquei brincando com a água, as ondas e meu corpo.

Voltei a barraca onde estava minha namorada. O dono da barraca veio contar os casos do lugar. Mostrou fotos, inclusive de festas de pessoal dançando agarradinhos pelados. Este pessoal tem força de vontade pensei. Como não excitar com contato tão próximo de corpo. Como não demonstrar interesse, principalmente os homens... Miguel contou que ele foi o fundador do lugar. Estava arrumando uma caixa de água de forma tão natural que parecia que a roupa dele de trabalho era não ter roupa. Dentre as fotos pessoas lindas, pessoas derrubadas, mas pessoas. Quase que tive uma recaída. Fui logo tomar uma ducha de água fria.

Depois deste momento de adaptação, veio a sensação do mundo dividido. A linha divisória era mais forte do que se imaginava. As pessoas chegavam e ficavam com medo de passar. Homens desacompanhados eram barrados. E eu estava apenas há uns 15 metros da linha. As pessoas vestidas podiam me ver nu e eu podia ver as pessoas vestidas. A jaula que se colocava passou do limite da praia para todo o resto do mundo. Eu estava livre. As pessoas fora da linha que estavam presas.

Fui ouvindo estórias. O casal com filhos que adora ficar por ali. O empresário que coleciona todas as praias do Brasil. As regras de um naturalismo bem feito.

Interessante foi as pessoas que foram chegando e reclamando que minha namorada estava de biquíni. Como pode? Foi dito que ela era modelo e não podia queimar os seios porque ia tirar uma série de fotos no final do ano. Com isso senti que por mais que se tente mudar o mundo ou que se coloque as pessoas em mundos diferentes, tudo vai sempre ser como é. Pessoas vão ser pessoas sempre.

De observância natural de primeiro dia. Homens tiravam a roupa com muita facilidade. A mulher com total dificuldade. Porque perante uma câmera a mulher tira tão fácil a roupa? As mulheres habituê como eram chamados vinham com biquíni todo amarrados num só fio. Quando tiravam caia tudo. A linha imaginária das regras. A imposição de uma constituição de normalização social. Uma situação que deve ser levada ao extremo para que não seja taxada ou apontada como um local de problemas sociais.

Mas afinal? O que vaziam aquelas pessoas naquele lugar? Os homens velhos queriam ver corpos de donzelas? As mulheres queriam sentir desejadas? E a velha preocupação de chegar alguém com o corpo perfeito? Muitos estavam se exibindo. Muitos estavam curtindo.

Eu no fundo tirei fotos com o fundador do lugar. Fiz amizades novas. E me prometi voltar mais vezes. É muito bom sentir a volta das origens...