COISAS DA VIDA

Era um dia frio. O inverno castigava a todos. Era uma tortura sair nessa época, pois as estradas ficavam enlameadas e escorregadias...

Naquela manhã, não ia haver outro jeito. Teria que ir ao hospital ver minha amiga, que se acidentara. Eu iria doar sangue, pois ela faria uma cirurgia com certa gravidade.

O dia estava chuvoso e um vento frio parecia regelar os nossos ossos. Estava tão encolhida que a respiração ficava difícil.

Fui até o ponto do ônibus. Evito dirigir com esse tempo. Foi por causa de uma teimosia que Beth se acidentou. Não conseguiu frear o carro e em uma manobra brusca, capotou várias vezes. No choque quebrou a perna em dois lugares, mas pelo estado do veículo, via-se que foi um verdadeiro milagre, ela ter sobrevivido.

Quando me ligaram a pedido da avó da minha amiga, fui rapidamente para lá. Os bombeiros foram muito eficientes e ela já estava sendo socorrida. Estava desacordada. Fiquei junto dela por todo o tempo até que foi internada, mas sem risco de morte.

Essa minha amiga é da Bahia e faz faculdade comigo. Não possui familiares aqui, no Paraná.

Foi ai que me lembrei do tal telefonema. Fiquei curiosa e ao mesmo tempo pensativa. Como Dona Ana tinha conseguido o meu telefone e pedido ao bombeiro para me ligar? Não me lembrava que a Beth tivesse me falado dela ou que viera visitá-la. Só quando retornasse ao hospital desvendaria esse mistério.

O ônibus finalmente chegou. Estava cheio, pois demorara uma eternidade.

A viagem era longa, mas eu estava tranqüila, pois conseguira um hospital pelo convênio da minha amiga, que era referência em cirurgias ortopédicas. Depois de algum tempo consegui um lugar para sentar. Aproveitei para continuar a leitura do meu livro. Sempre tenho um na bolsa. O tempo passa muito mais rápido.

A viagem foi normal, tirando as freadas que o motorista insistia em dar, e uma conversa entre duas moças que me tiraram a concentração na minha leitura.

Uma falou para a outra que estava com uma dúvida entre três palavras escritas quase iguais, as quais queriam dizer coisas diferentes, e ela nunca sabia o modo certo de dizê-las. A outra com um tom de muita sabedoria lhe perguntou, quais eram essas palavras.

A mais moça começou a falar.

-Olha as palavras são: poblema, pobrema e ploblema!

A outra cheia de certeza começou:

Olha, sempre que você disser poblema, é que se refere à Matemática; pobrema, são dificuldades que passamos na vida e ploblema é quem tem doença de cabeça.

A outra ouvia as explicações atentamente e eu e algumas pessoas que estavam ali por perto, entreolhamo-nos com cara de riso. Mas fazer o que? Não dava para dizer coisa alguma, pois eu já ia descer, e também não tinha sido chamada na conversa.

Saltei. Lembrava do acontecido e ria sozinha.

Se alguém olhasse para mim diria que estava com um “ploblema” de cabeça.

Caminhei mais um pouco e entrei no hospital. O frio continuava intenso. Dirigi-me ao setor de laboratório para doar o sangue.

Tudo terminado. Consegui fazer a doação, numa boa. Já doei várias vezes, mas me dá sempre um friozinho na barriga.

Fui encontrar com a minha amiga.

Achei-a um pouco inquieta. Nunca havia estado internada, ainda mais numa cidade estranha.

Quando me viu, seus olhinhos brilharam de alegria. Abraçamo-nos carinhosamente e começamos a conversar.

Contou-me que no dia do acidente foi fechada por outro carro que nem ao menos parou para ver o estrago que tinha feito. Falei-lhe que tivera muita sorte, pois o carro ficou destruído.

Disse-me que seria operada no dia seguinte e pela carinha de medo, vi que estava apavorada.Tranqüilizei-a dizendo que estaria lá, que não se preocupasse. Foi nessa hora que me lembrei da sua avó. Perguntei-lhe por ela.

Beth me olhou com uma cara de extrema admiração e perguntou-me por quê.

Falei-lhe que fora ela, sua avó Ana, que mandara avisar-me do acidente e me pedira pra que não a deixasse sozinha, pois estava muito preocupada com você.

A minha amiga me abraçou mais uma vez e aos prantos me disse:

-Gabi, a minha avó tão querida faleceu há dois meses!