SEXTA-FEIRA 13

Sexta-feira 13 me fez lembrar uma história que meu avô Ballejo dizia ter ajudado a promover.

O Demerval só tinha medo de assombração. A mulher lembrava, quando se abatia no marido acesso de valentia, que ele dormiu de luz acesa depois de ter visto “O Exorcista”. Demerval não perdia a pose:

- Só tenho medo de assombração!

Não era de estranhar. Havia nascido num lugar onde se vivia no tempo das cavernas. Sempre acreditou que a luz do fogo incentivava os espíritos a participarem da festa e, na sua infância, toda luz que havia nas noites escuras, quando havia, era a de um lampião a querosene ou de uma vela.

Ao ouvir histórias de assombração ficava com os cabelos dos braços em pé. O medo do Demerval era genético. Demerval, seu avô, também o tinha.

Anos 40 do século passado, charqueada de Santa Teresa, proximidades de Bagé.

Dom Bajerro, como muitos chamavam, era oriundo da região da fronteira tríplice que em Uruguaiana separa Brasil, Uruguai e Argentina, gostava de uma cerveja, de uma roda de amigos, de uma conversa que se alongasse na madrugada, sabendo do medo do Demerval, imaginou uma forma de tirar um sarro, se bem que esta expressão naquele tempo ainda não havia sido inventada.

Demerval era ronda. Guarita era coisa que não se conhecia, de forma que o ronda passava à noite, entre suas andanças, se resguardando numa pequena casa onde havia um fogão a lenha, uma mesa, duas ou três cadeiras, nada mais que isto.

Um dia, sexta-feira 13, Dom Bajerro e um amigo prepararam, no final da tarde, o cenário. Ataram um fio preto, suficientemente resistente, ao pé da mesa da casa onde o roda ficava e o esticaram até o meio de um campo, a uma distância providencial de cem metros, mais ou menos.

Dez da noite.

Por saberem que naquela noite sem lua não haveria andança, foram fazer companhia ao Demerval e, querendo deixar a flor da pele seus medos, começaram a falar de assombração. A data chamava o tema.

Minutos antes da meia noite, deram uma desculpa e se foram, assoviando e arrumando o revólver que numa noite escura daquelas, mesmo quem não acreditava em assombração se precavia. Foram para o local onde estava a ponta do fio.

O ronda não tirava os olhos do relógio. Um minuto parecia tempo infinito.

Meia noite.

Puxaram a corda, um pouquinho. Demerval se assustou.

Puxaram mais um pouquinho. O homem apontou na porta.

Puxaram de vez.

A vela caiu e apagou enquanto a mesa voava na direção do Demerval que, em pânico, entre desmaiar e correr, correu.

Um tiro ecoou no ambiente, sabe-se lá de onde.

A casa mais próxima ficava uns duzentos e poucos metros. Quando o morador abriu a porta e viu a cara desfigurada do Demerval, perguntou o óbvio:

- O que houve?

O Demerval não conseguia falar, mas assim que pode sussurrou:

- Se sangue fede, tô sangrando!