O trem "Maria Fumaça"

A Estrada de Ferro Leopoldina foi a primeira ferrovia implantada no atual estado de Minas Gerais. Servia de ligação entre a Zona da Mata mineira e a cidade do Rio de Janeiro.

Com o surgimento das estradas de rodagem, esta ferrovia foi se desestruturando e acabou sendo privatizada. Atualmente, poucas linhas ainda sobrevivem.

Lembro que por volta dos anos 50, quando ainda eram poucas as rodovias, este trem marcava o inicio de minhas férias. Ele partia da Estação da Leopoldina, por volta das cinco da manha. O céu começava a clarear... Sonolenta, eu ainda tinha os olhos ardendo por ter acordado tão cedo.

Eu era menina e não gostava daquele trem mal cheiroso e sem conforto. Entretanto, ao embarcar, sentia-me invadida por grande entusiasmo!

Repleto de bagagem e passageiros, o trem apitava dando inicio a sua marcha compassada. O tempo de viagem até a cidade de minha avó, teoricamente seria de seis horas, mas sabíamos que levaría de oito a nove horas, já que os atrasos eram costumeiros.

Vagões de madeira. Acentos para duas pessoas, dispostos em fileira em cada lado do vagão; havendo a possibilidade de se virar o encosto do banco de modo a ficar um frente ao outro. O centro formava um estreito corredor, muitas vezes abarrotado por malas. Não sei quantas pessoas cabiam em cada vagão, mas sei que muitos viajavam de pé ou sentados sobre as malas. Tudo puxado por uma locomotiva, movida a vapor, conhecida por: “Maria Fumaça” em virtude da densa nuvem de vapor e fuligem expelida por sua chaminé.

No final de cada vagão: o banheiro pequeno e mau cheiroso. Nele, apenas o vaso sanitário vazado; já que os dejetos eram lançados ao longo dos trilhos enquanto o trem sacolejava, mal dando para o usuário se equilibrar. Junto à porta, do lado de fora, uma minúscula pia, que provavelmente, não teria água até o termino da viagem.

O trem ia se arrastando tal qual serpente; subindo serra,, desbravando caminho, diminuindo distancia; levando alegrias e sonhos.

A maquina “Maria Fumaça”, deixava um rastro de fumaça e fagulhas, que, trazidas pelo vento penetravam nos vagões deixando a roupa dos passageiros chamuscada, suja e com cheiro desagradável. Tudo, entretanto, era superado e alegrava meu coração na antevisão das férias tão esperada.

Só mesmo a nostalgia do passado, nós leva hoje, a dizer: “que saudade!...”

E lá íamos nós, rumo à subida da Serra de Petrópolis, quando então o sacolejar do trem seria mais lento, pois, na raiz da serra, usando cremalheira, outra máquina seria engatada no final do trem para ajudar na subida. Esta manobra de engate era feita com muitos vai e vem que levaria algum tempo, provocando os costumeiros atrasos.

Apesar da lentidão, a subida da serra era agradável. Não só pelo frescor, o cheiro de mato e terra molhada, como pela movimentação de crianças ao longo da linha férrea, a gritar: “jornal!... jornal!... jornal!... Crianças que moravam por ali, longe de tudo, e que iam à busca de revistas, trocados ou alguma guloseima.

Os passageiros se movimentavam. Todos se agitavam procurando alguma coisa para ofertar, atendendo aos apelos vindos de fora, que mais pareciam melódicos lamentos.

Um apito a cada curva... A criançada lá fora corria atrás do trem em busca das ofertas lançadas pela janela. O trem seguia deixando as crianças perdidas em suas buscas e em seus sonhos... A menina dentro do trem também sonhava...

Este, sem duvida, era um momento de encantamento, que, não mais sairia de minha memória como uma imagem viva!... Ainda hoje, ao recordar, sinto o cheiro de mato e, perdidas no tempo, o som das vozes em couro, a gritar... Jornal!...Jornal!...

Aos pouco, o trem ia rompendo e conquistando a extensão. Muitos lugarejos surgiam ao longo do percurso: Uns tão pequenos que eram apenas a estação. Em outros, avistávamos a praça, a igreja, uma ou duas ruas. Ao se aproximar da estação o trem apitava anunciando sua chegada.... Parava na estação... Alguns passageiros desembarcavam... Na plataforma, alguém vendia doces, queijos, produtos típicos do lugar. Da janela das casas proximas, pessoas observavam. Habitantes locais se chegavam à expectativa de receber novidades vindas do Rio de Janeiro... O trem, se despedindo, apitava e partia...

Eu, debruçada a janela contemplava ao longe: o pasto verde, o gado a procura de sombra,casebres perdidos no nada; o terreno montanhoso da região, ondulado e colorido pelo capim gordura em flor; o rio caudaloso e de água barrenta, que passava como um caminho que anda... Mentalmente eu ia contando quantas estações faltavam para chegarmos a nosso destino. Sabia o nome de todas as pequenas estações que surgiam, uma apos outra, separadas por apitos e longas distâncias. Nomes estranhos aos ouvidos de criança: Sossego, Santana do Deserto, Pequeri, Telhas, Rochedo, Roça Grande. E tantas outras...

Com a supressão dos ramais que abasteciam estas pequenas cidades, fico a imaginar o que terá sido feito delas? Pois eram alimentadas pelo movimento dos trens, e cresciam a suas margens... Muitas ficaram perdidas... As novas estradas de rodagem foram construídas fora de seu alcance.

Finalmente chegávamos ao tão esperado destino. Então... o apito do trem parecia toque de corneta anunciando o paraíso!...E apesar do cansaço, a alegria era tanta que nada se igualaria aquele momento.

Certamente, a viagem no retorno das férias, não seria agradável...

Lisyt

Lisyt
Enviado por Lisyt em 15/03/2009
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