A hora e a vez de Guguinha Matraga


Antes de mais nada, gostaria de deixar duas coisas bem pontuadas.
 
A primeira é que, malgrado o que pensam vários literatos mais ortodoxos, a crônica não precisa, necessariamente, abordar apenas causos menores, indivisíveis, momentâneos. Não. Não me parece ser essa a sua definição mais justa. Crônicas podem, sim, retratar grandes conquistas e, até mesmo, fazê-lo com alguma grandiloqüência. Perdoem-me os romancistas – os bons e os maus – mas eles, os cronistas, por vezes caminham com boa desenvoltura pelas páginas apoteóticas que abordam grandes feitos.
 
A segunda é que o Guguinha não é um personagem. Aliás, nesse particular, pior para o romance, o conto, a crônica. Guguinha é de carne e osso, gosta de feijoada, torce para o Fluminense e balança com os ombros de forma gozada quando ri. Sempre o tive como um amigo que tem um brilho diferente. Como se andasse permanentemente junto a um enorme sinal de ‘mais’. De fato, há no jeito do Guguinha alguma coisa maior, algo de - com o perdão da enorme lacuna que abro em razão do preguiçoso adjetivo escolhido - especial.
 
De uma semana pra cá, contudo, essa imagem que dele tinha, mudou. É que o Guguinha mandou do Canadá, onde mora atualmente, um e-mail dizendo, em síntese radical, o seguinte: larguei o direito e vou recomeçar minha vida tentando algo diferente. Vou me dedicar à comunicação. Outros ares, novas perspectivas.
 
A estranheza com a qual recebi a notícia é justificável na medida em que é sabido que o talento do Guguinha para com os afazeres da advocacia é imensurável, beira o infinito. Sua experiência profissional, assim como suas conquistas que pavimentaram grande parte do caminho, faz de sua decisão uma grande revolução. Não me ocorre termo mais justo.
 
Mas atenção! Momento crucial destas simplórias linhas: se isso não te disse nada, se algo de diferente não te tocou, e mesmo correndo o risco de parecer presunçoso, das duas uma, ou não acreditas no que escrevo ou não estás preparado para entender – quiçá viver – qualquer revolução. Foi um prazer! Há belas poesias a serem lidas por aí. Há também contos, romances e crônicas de grande valor.
 
A revolução do Guguinha é a única capaz de ser chamada de verdadeira revolução. É, sem retórica alguma, o único movimento capaz de deflagrar o futuro que esperamos. Sim, pois se trata essencialmente de uma revolução completa. Nela há todos os ingredientes. Não falta nada. Há a coragem dos que querem romper com o padrão, a inteligência dos que sabem que isso, por vezes, é absolutamente necessário, a serenidade de expor seus passos de modo que sejam eles absorvidos, o desapego a antigas idéias e inarredáveis conquistas e, principalmente, o amor à vida.
 
Guguinha percebeu que ‘amor à vida’ e ‘amor à nossa vida’ são coisas distintas. Palmas para ele. Parece óbvio, parece uma fábula infantil. Mas estou certo de que não é. Se fosse, nossas vidas, entrelaçadas nesse tabuleiro com tantas e tantas variáveis, seriam vidas melhores. Disso, não tenho dúvidas. Se não sirvo como difusor desta descoberta (descobertas óbvias, diria um amigo), talvez Gandhi possa servir: “a única revolução possível é dentro de nós”.
 
A conquista de Guguinha, enquanto revolução, não pára, segue. Permanece e merece ser contada. Sim, obviamente sei que nos quatro cantos do mundo pipocam Guguinhas e mais Guguinhas a fazer com que tilinte em nossas cabeças a necessidade de que rompamos com padrões que nos fazem mal, nos ‘puxam para trás’. Mas imagino que concordemos: se há algo que não podemos fazer é deixar de admirar, festejar e propagar essas doces revoluções. Afinal, não precisa fazer muita conta para concluir que fazemos isso por nós.
 
Não é um belo motivo? 

Então... Viva a revolução!
 
A ‘crônica’ (já que é para ser presunçoso...) acabou, a revolução foi consumada, mas eu, difusor da revolucionária descoberta, nada descobri. As coisas por aqui continuam iguais. O que me serve de acalanto é que o Guguinha, em algum momento, também se viu assim. Vemos frutos, não sementes (alguém já disse isso?). Bem, acho que dá algum conforto.
 
Por agora, a única coisa a fazer é justiça! Revolucionários merecem mais do que estampas em camisetas. A grandiloqüência do ato, a revolução do Guguinha, merece olas mais efusivas. Merecem, penso eu, um personagem. Um personagem desses de romance.
 
 Um personagem que se reconstrói, que se agiganta, que se revoluciona e que possibilita novas revoluções. Ocorre-me Augusto Matraga! A hora e vez de Augusto Matraga! Guguinha Matraga? Certamente, no que de fato importa, sim! Taí. Guguinha Matraga.
 
Um herói revolucionário da única revolução que de fato interessa. E se não tem o mesmo brilho do “Matraga Original”, que valha a justificativa de que seu criador, afinal, não foi Guimarães Rosa.
 
Vemos frutos, não sementes. Meio brega? Encantei-me com ela. Vou ao ‘google’ ver se posso pleitear a autoria.