BOLINHOS DE BACALHAU 
(republicação)





           Como é costume se dizer na linguagem popular, nunca fui boa de boca. Quando criança, então, o problema era grande. Por mais petiscos que fizessem para tentar-me o paladar, só gostava mesmo de bife e batata frita.

           Meu pai era também um tanto complicado no que dizia respeito à comida, e minha mãe afirmava que eu tinha puxado a ele. Mas se quem sai aos seus não degenera, não havia do que reclamar. Porém, diferente de mim ele gostava de alimentos que nunca consegui engolir e que, habitualmente, eram servidos à mesa com o objetivo de agradá-lo: mocotó, rabada, dobradinha com feijão branco, miúdos de frango, fígado acebolado e outros acepipes de igual monta.

           Acho que eu era magra porque, com raras exceções, pouco comia daquilo que minha mãe preparava. Nem mesmo gostava de doces e bolos, coisas que criança nenhuma rejeita.

           Mas na hora do lanche... Ah, na hora do lanche eu tirava a forra, pois café com leite e pão com manteiga eu adorava, ainda mais se fosse acompanhado de bolachas "cream crackers Aymoré", aquelas da lata vermelha com o índio na tampa.

           Até hoje sou louca por pão. Dá para perceber, não é? Tenho certeza de que se abandonasse o pão emagreceria uns bom quilos. Mas deixar o meu pãozinho? Nem pensar! Afinal, tenho de concordar com aquela musiquinha do Roberto Carlos que diz: "...tudo o que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda."

           Bem tudo o que foi dito linhas atrás foi a título de introdução para contar como aprendí a comer bolinhos de bacalhau. Com referência à sentar-se à mesa para comer, o Natal representava para mim o maior dos tormentos. Na casa de minha madrinha, onde passávamos a noite, o bacalhau era o rei da festa, e como filha de mãe portuguesa todos esperavam que eu o apreciasse.

           Aí, aconteceu que... um belo dia havia bolinhos de bacalhau na hora do almoço. Entre os come, não como, não quero, não gosto, vomito - minha mãe perdeu a paciência: "come ou dou-te uns tabefes". "Então dá", disse eu. Ela não teve dúvidas  plantou-me umas bolachas com tal impeto que até caí de onde estava sentada. O choro foi grande, não só em razão das palmadas, mas pela injustiça do ato. O "então dá" referia-se aos bolinhos e não aos tabefes.

           E foi assim, entre tapas e beijos, que aprendi a gostar de bolinhos de bacalhau e, cá entre nós, tenho que confessar - são deliciosos!

                                          Nov-2004



           (Para os amigos portugueses que compõem este Recanto)